sábado, 4 de junho de 2016

Tu e Tua Casa, O Cristão no Lar- CHM


TU E TUA CASA

O cristão no lar

C. H. Mackintosh

Extraído do Site “ www.verdadespreciosas.com.ar e Traduzido pelos irmãos da Cidade de Cascavel-PR, e Revisado pelos Irmãos de Marechal Cândido Rondon-PR”



Existem duas casas que ocupam um lugar muito proeminente nas páginas inspiradas: a casa da Deus e a casa do servo de Deus. Deus atribui uma grande importância a sua casa, e justamente porque é sua. Sua verdade, sua honra, seu caráter e sua glória estão comprometidos no caráter de sua casa. Por tal motivo, é seu desejo que a expressão do que Ele é se manifeste com total clareza no que lhe pertence.

     Se Deus tem uma casa, ela terá que ser certamente uma casa piedosa, Santa, espiritual e elevada; uma casa pura e celestial. Deverá ter todos estes caracteres, não meramente de uma maneira abstrata, ou seja, quanto à sua posição e princípios, mas também no aspecto prático. Sua posição abstrata se apóia no que Deus tem feito dela e no lugar onde a colocou; mas seu caráter prático acha seu fundamento no andar prático daqueles que formam parte essencial da mesma aqui embaixo.

    Muitas almas podem estar dispostas a compreender a verdade e a importância dos princípios atinentes à casa de Deus; mas são poucos, comparativamente falando, os que prestam suficiente atenção aos princípios que devem reger a casa do servo de Deus; mesmo que ao formular-se a pergunta: «Qual é a casa que se segue em importância à casa de Deus?» responde-se sem hesitações: «A casa do servo de Deus.»

     Dado que não há nada comparável a deixar que a Santa autoridade da Palavra de Deus atue sobre a consciência, citarei algumas passagens da Escritura que porão de manifesto, de uma maneira clara e terminante, os pensamentos de Deus a respeito do que deve ser a casa de um de seus filhos.



A casa do crente no Antigo Testamento


Noé e sua casa

     Quando a iniqüidade do mundo antediluviano tinha chegado a seu cume, e o Deus justo, que estava por devastar toda esta cena de corrupção com a robusta corrente do julgamento, teve que decidir o fim de toda carne, estas gratas palavras soaram para ouvidos de Noé: “Disse o SENHOR a Noé: Entra na arca, tu e toda a tua casa, porque reconheço que tens sido justo diante de mim no meio desta geração.” (Gênesis 7:1).

     Se dirá sem dúvida, e com razão, que Noé era um tipo de Cristo, a cabeça justa de toda a família de salvos, salvos em virtude de sua união com Ele. Admito plenamente. Mas isso não tira que se veja, na história do Noé, outra coisa além de um caráter típico; deduzo daqui e de outras passagens análogas um princípio que, desde o começo deste escrito, queria estabelecer com a maior clareza, a saber: que a casa de cada servo de Deus é, em virtude de sua relação com Ele, posta em uma posição de privilégio e, consequentemente, de responsabilidade[1].

     Este princípio tem infinitas conseqüências práticas; e isso é o que, com a bênção de Deus e por sua graça, propomo-nos examinar no presente escrito. Mas o que devemos fazer em primeiro lugar é tratar de estabelecer a veracidade do dito por meio da Palavra de Deus. Se simplesmente fôssemos levados a raciocinar por analogia, o princípio em questão seria facilmente demonstrado; pois que pessoa que conhece o caráter e os caminhos de Deus poderia acreditar que Deus atribui uma imensa importância ao que concerne a Sua própria casa, e que não atribui nenhuma, ou quase, à de seu servo? Seria impossível! Isso não é do caráter de Deus, e Deus só pode trabalhar de forma consistente consigo mesmo.

   Mas não podemos nos limitar a tratar esta questão tão séria e tão profundamente prática por pura analogia e meras deduções. A passagem recém chamada é tão somente o primeiro de uma série de vários textos que constituem provas diretas e positivas do que desejo fazer compreender. Em Gênese 7:1 achamos as significativas palavras“Tu e tua casa” inseparavelmente unidas. Deus não revelou a Noé uma salvação sem proveito para sua casa. Jamais contemplou tal coisa. A mesma arca que foi aberta para ele, foi aberta também para os seus. por que? Porque tinham fé? Não; Mas porque Noé tinha, e porque eles estavam unidos a ele. Deus deu a Noé, por assim dizê-lo, um salvo-conduto que teria que servir para ele e para sua família. Repito-o, isto não debilita absolutamente o caráter típico de Noé. Eu vejo nele este caráter; mas vejo também nele, pessoalmente, este princípio, Ou seja, que quaisquer que sejam as circunstâncias, não podemos separar um homem de sua casa. O fazê-lo implicaria certamente a mais violenta confusão e a mais baixa desmoralização. A casa de Deus é posta em uma posição de bênção e responsabilidade, porque ela está unida a Ele; e a casa do servo de Deus está, pela mesma razão, ou seja, por estar unida a ele, em uma posição de bênção e responsabilidade. Tal é nossa tese.

Abraão e sua casa

A segunda passagem que quero citar se refere à vida de Abraão. “E O Senhor disse: Encobrirei eu a Abraão o que vou fazer... ? Porque eu sei que mandará a seus filhos e a sua casa depois de si, que guardem o caminho do Senhor, fazendo justiça e juízo, para que faça vir O Senhor sobre Abraão o que falou a respeito dele” (Gênese 18:17-19).

   
Aqui não se trata de uma questão de salvação, mas sim de comunhão com o pensamento e os propósitos de Deus. Que o pai cristão note e pese solenemente o fato de que quando Deus procurava um homem a quem pudesse revelar seus conselhos secretos, escolheu àquele que possuía a simples característica de mandar “a seus filhos e a sua casa” que guardem o caminho do Senhor.

     Esto não pode deixar de demonstrar, a uma consciência delicada, um aguçado princípio; pois se houver um ponto em relação ao qual os cristãos faltaram mais que qualquer outro, é no dever de mandar a seus filhos e a sua casa que sirvam ao Senhor. Eles certamente não tiveram a Deus diante de seus olhos a este respeito; pois, ao considerar todas as Escrituras referentes aos caminhos de Deus a respeito de Sua casa, encontro que em todos eles há uma característica invariável: Deus exerce seu poder sobre o princípio da justiça. Ele estabeleceu firmemente e mantido inquebrantavelmente sua Santa autoridade. Não importa o aspecto ou o caráter exterior da casa de Deus, o princípio essencial de seus entendimentos com ela é imutável: “Seus testemunhos são muito firmes; a santidade convém à sua casa, OH Senhor, pelos séculos e para sempre”(Salmo 93:5). O servo deve sempre tomar a seu Professor como modelo; e se Deus governa sua casa com um poder exercido em justiça, assim devo eu governar a minha; pois se, em algum detalhe, difiro de Deus em minha conduta, devo evidentemente estar mal nesse detalhe; isto está claro.

  Mas Deus não somente governa sua casa como dissemos, e sim também a ama, aprova e honra com sua confiança àqueles que o imitam. Na passagem chamada, ouvimo-lo dizer: «Não posso encobrir meus propósitos a Abraão.» por que? Por causa de sua graça e fé pessoais? Não; simplesmente porque “mandará a seus filhos e à sua casa”. Um homem que sabe mandar assim a sua casa, é digno da confiança de Deus. Esta é uma assombrosa verdade, cujo fio alcançará, espero, a consciência dos pais cristãos. A maioria de nós, ai!, ao meditar Gênese 18:19, faríamos bem em nos prosternar diante Daquele que pronunciou e escreveu esta palavra, e exclamar: «Que fracasso de minha parte, que vergonhoso e humilhante fracasso!»

  A que se deve? A que se deve que faltamos à solene responsabilidade que nos há tocado com respeito ao governo de nossa casa? Acredito que há uma só resposta a esta pergunta: a razão é que não temos feito efetivo, pela fé, o privilégio conferido a esta casa, em virtude de sua associação conosco. É notável que nossas duas primeiras passagens nos apresentam, com absoluta exatidão, as duas grandes divisões de nosso tema, Ou seja: o privilégio e a responsabilidade. No caso de Noé, a palavra era: “Tu e tua casa”, em relação com a salvação. No caso do Abraão, era: “Tu e tua casa” com relação ao governo moral. A relação é de uma vez notável e formosa, e o homem que falta em fé para se apropriar do privilégio, faltará em poder moral para levar a cabo a responsabilidade.

    Deus considera a casa de um homem como parte de si mesmo, e o homem não pode, mesmo que no menor grau, seja em princípio,  seja em prática, desconhecer esta relação sem sofrer graves danos e sem causar prejuízos ao testemunho.

     Pois bem, a pergunta para a consciência de um pai cristão, é esta: «Conto com Deus para minha casa; e governo minha casa para Deus?» Esta é, certamente, uma pergunta solene; entretanto, é de se temer que muito poucos cristãos sentem sua importância e gravidade.

    Pode ser que meu leitor se sinta disposto a demandar um maior número de provas bíblicas que o que se argumentou até agora, quanto a nosso direito de contar com Deus para nossas casas. Vou, pois, prosseguir com as entrevistas bíblicas.

Jacó e sua casa

     Leiamos uma passagem com referência à história de Jacó: “Disse Deus a Jacó: levanta-te e sobe a Betel.” Estas palavras parecem ter sido dirigidas a Jacó pessoalmente; mas ele jamais pensou, nem por um momento, em desligar-se de sua família, nem quanto ao privilégio nem quanto à responsabilidade; por isso se acrescenta. “Então disse Jacó à sua família, e a todos os que com ele estavam: Lançai fora os deuses estranhos que há no meio de vós, e purificai-vos e mudai as vossas vestes. 3 Levantemo-nos, e subamos a Betel” (Gênese 35:1-3). Aqui vemos que um chamado feito a Jacó, põe toda sua casa sob uma responsabilidade. Jacó foi chamado a subir à casa de Deus, e a pergunta que se apresenta imediatamente à sua consciência, é: «Está minha casa em um estado conveniente para responder a tal chamado?»

A casa do servo de Deus no livro de Êxodo

     Nos remetemos agora aos primeiros capítulos do livro de Êxodo, onde vemos que tão somente uma das quatro objeções de Faraó a deixar que  Israel fosse plenamente liberto, referia-se especificamente aos meninos (Êxodo 10:8-9): “Respondeu-lhe Moisés: Havemos de ir com os nossos jovens e com os nossos velhos; com os nossos filhos e com as nossas filhas, com os nossos rebanhos e com o nosso gado havemos de ir; porque temos de celebrar uma festa ao Senhor.” A razão pela qual deviam tomar os meninos e a todos os que estavam com eles, era que tinham que celebrar uma festa solene ao Senhor. Naturalmente poderiam dizer: «OH, o que é que estas criaturinhas poderiam compreender a respeito de tal festa? Não temeriam que pudessem se tornarem formalistas?» A resposta de Moisés é simples e decisiva: Temos que ir com nossos meninos, etc. (V. 9) porque é nossa festa solene para o Senhor.

     Os pais israelitas não tinham a idéia de que deviam procurar uma coisa para si mesmos e outra para seus filhos. Não suspiravam por Canaã para eles e pelo Egito para seus filhos. Como poderiam nutrir-se do maná do deserto ou do fruto do país da promessa, enquanto seus filhos estivessem se alimentando dos melões, das cebolas e os alhos do Egito (Números 11:5)? Impossível! Nem Moisés nem Aarão teriam compreendido tal maneira de atuar. Eles sentiam que um chamado de Deus dirigido a eles, era um chamado dirigido a seus filhos, e, além disso, se não tivessem estado plenamente convencidos disso, logo que teriam saído do Egito por um caminho, seus filhos os teriam feito retornar por outro. Que tal teria sido o caso, Satanás bem sabia; por isso pôs na boca de Faraó esta objeção: “Não será assim; agora, ide vós, os homens, e servi ao Senhor” (Êxodo 10:11). Isto é precisamente o que muitos cristãos professos fazem, ou melhor, tratam de fazer na atualidade. Professam sair do Egito para servir ao Senhor, mas deixam ali seus meninos. Professam ter realizado o “caminho de três dias” pelo deserto; em outras palavras, professam ter deixado o mundo, estar mortos ao mundo, e ressuscitados com Cristo, como quem possui uma vida celestial, e como herdeiros de uma glória celestial, a qual constitui sua esperança. Mas deixaram seus filhos atrás, nas mãos de Faraó, ou seja, de Satanás [2]. Têm renunciado ao mundo para si mesmos, mas não puderam fazê-lo para seus filhos. Por isso, no dia do Senhor, eles se revestem da profissão de estrangeiros e peregrinos; cantam hinos, pronunciam orações e ensinam princípios, dando mostras de serem pessoas muito avançadas na vida celestial e que, por sua experiência real, tocam as fronteiras de Canaã (em espírito, naturalmente, já estão ali); mas ai, na segunda-feira pela manhã, cada um de seus atos, cada um de seus hábitos, cada um de seus objetivos contradiz sua profissão da véspera! Seus filhos são formados para o mundo. O alcance, o objeto e o tipo de educação[3] que recebem, assim como a escolha de sua carreira, é de caráter totalmente mundano, no sentido mais certo e estrito do termo. Moisés e Aarão não poderiam admitir tal maneira de atuar, como tampouco um coração moralmente sincero e uma mente reta poderiam aceitar isso.

     Eu não deveria ter para meus filhos nenhum outro princípio, nenhuma outra porção nem nenhuma outra perspectiva que a que tenho para mim mesmo; nem tampouco deveria prepará-los com vistas a outras coisas. Se Cristo e a glória celestial são suficientes para mim, também o são para eles; mas então a prova de que eles são suficientes para mim devem ser inequívoca. O caráter de um pai ou de uma mãe cristãos deveria ser tal que não desse lugar à menor sombra de dúvida quanto ao verdadeiro propósito que abriga em sua alma ou ao objeto positivo de seu coração. O que pensaria meu filho se lhe dissesse que meu desejo ardente é que seja partícipe de Cristo e do céu, quando, ao mesmo tempo, educo-o para o mundo? O que acreditará? O que é que exercerá a mais poderosa influência em seu coração e em sua vida: minhas palavras ou meus atos? Que a consciência responda e que sua resposta seja reta e franca: que proceda das mais íntimas profundezas da alma, e que demonstre indisputavelmente que a questão foi compreendida em toda a sua força e gravidade. Acredito verdadeiramente que veio o tempo para que os cristãos procurem atuar na consciência uns dos outros.

     Deve ser evidente para todo homem de oração que observa com atenção o estado atual do mundo cristianizado, que este apresenta um aspecto muito doentio; que seu tom está miseravelmente baixo; em outras palavra, que deve ter em si algo radicalmente mau. Quanto ao testemunho relativo ao Filho de Deus, ai!, É algo que raramente, muito raramente, leva-se em conta! A salvação pessoal parece constituir, para noventa e nove por cento dos cristãos professos, tudo o que lhes interessa, como se fôssemos deixados aqui embaixo para ser salvos, e não, como salvos, para glorificar a Cristo.

     Pois bem, com afeto e também com fidelidade, queria perguntar a meus leitores se grande parte do fracasso no testemunho prático para Cristo não se poderia atribuir justamente ao descuido do princípio que achamos comprometido nestas palavras: “Tu e tua casa”? Estou convencido de que este descuido tem muito haver a respeito. Uma coisa é certa: muito de mundanismo, de confusão e de má moral tem acontecido no nosso meio, porque nossos filhos foram deixados no Egito. Muitos dos que, há dez, quinze ou vinte anos atrás, tomaram na Igreja uma posição eminente de testemunho e de serviço, e que pareciam estar de todo coração dedicados à obra do Senhor, agora tornaram atrás de uma maneira tão lamentável que não têm a força para manter suas cabeças acima d’água, e menos ainda para ajudar a outros a manterem-se de pé. Tudo isto profere uma forte voz de advertência para os pais cristãos que formaram uma familia: Guardem-se de deixar seus filhos no Egito. Mais de um coração de pai quebrantado, neste presente tempo, ficou sumido em prantos e gemidos por não ter sido fiel no governo de sua casa. O tal deixou seus meninos no Egito, em um tempo mau de suculentas ilusões; e agora que com uma real fidelidade, talvez, e uma séria afeição, atreve-se a deixar deslizar umas palavras nos ouvidos daqueles que cresceram a seu redor, ele não encontra a não ser corações indiferentes que fazem ouvidos surdos à suas advertências, por outro lado se aferram com decisão e com vigor ao Egito no qual ele os deixou por sua incredulidade e inconseqüência. Este é um fato duro, cujo só a menção poderia atormentar a mais de um coração; mas a verdade deve ser declarada; pois embora pudesse ferir alguns, bem pudera ser uma saudável advertência para outros [4].

A casa do servo de Deus no livro de Números

     Mas devo prosseguir com as provas bíblicas. No livro de Números, os “meninos” ainda nos são apresentados. Já vimos que o verdadeiro propósito de uma alma em comunhão com Deus era sair com seus filhos do Egito. Eles deviam ser tirados dali a todo custo; mas nem a fé nem a fidelidade dos pais cristãos terminavam ali. Devemos contar com Deus não somente para tirá-los do Egito, mas também para introduzi-los em Canaã. A este respeito, Israel falhou de uma maneira notável, pois, quando os espias voltaram de Canaã, o povo, para ouvir seu desalentador relatório, pronunciou estes tristes acentos: “Por que nos traz o Senhor a esta terra para cairmos à espada? Nossas mulheres e nossos pequeninos serão por presa. Não nos seria melhor voltarmos para o Egito?” (Números 14:3). Terríveis palavras eram estas. De fato, não faziam a não ser comprovar, no que toca a eles, o que tão ardilosa e perversamente Faraó havia predito em relação a esses mesmos meninos: “Replicou-lhes Faraó: Seja o Senhor convosco, se eu vos deixar ir a vós e a vossos pequeninos! Olhai, porque há mal diante de vós” (Êxodo 10:10).

    A incredulidade justifica sempre a Satanás e faz a Deus mentiroso, em tanto que a fé, pelo contrário, justifica sempre a Deus e faz a Satanás mentiroso; e assim como é invariavelmente certo que conforme a nossa fé será feito, também é igualmente certo que a incredulidade colherá o que semeou. Assim ocorreu com Israel, desventurado, por causa de sua incredulidade. “Dize-lhes: Pela minha vida, diz o Senhor, certamente conforme o que vos ouvi falar, assim vos hei de fazer: 29 neste deserto cairão os vossos cadáveres; nenhum de todos vós que fostes contados, segundo toda a vossa conta, de vinte anos para cima, que contra mim murmurastes, 30 certamente nenhum de vós entrará na terra a respeito da qual jurei que vos faria habitar nela, salvo Calebe, filho de Jefoné, e Josué, filho de Num. 31 Mas aos vossos pequeninos, dos quais dissestes que seriam por presa, a estes introduzirei na terra, e eles conhecerão a terra que vós rejeitastes. 32 Quanto a vós, porém, os vossos cadáveres cairão neste deserto;” (V. 28-32). “Limitaram ao Santo de Israel” quanto a seus meninos (Salmo 78:41; V.M.). Era um grave pecado, e nos foi mencionado para nossa instrução.   

     Quão Freqüentemente o coração dos pais cristãos raciocina sobre a maneira de tratar com seus filhos, em lugar de situar-se simplesmente sobre o terreno de Deus a respeito deles. Pode argüir-se que «não podemos fazer cristãos os nossos meninos». Mas não se trata disso. Não somos chamados A «fazer» algo deles; esta é a obra de Deus e de Deus somente; mas se Ele nos diz: «Levem a seus meninos convosco», recusaríamos lhe obedecer? Ou ainda: «Eu não quero fazer de meu filho um religioso formalista, nem poderia facer dele um verdadeiro cristão»; mas se Deus, em sua infinita graça, me diz: «Eu considero sua casa como parte de ti mesmo e, ao te abençoar, abençoo a ela.» Deveria eu, por incredulidade de coração, recusar esta bênção, sob o pretexto do temor ao legalismo ou de minha impossibilidade de comunicar a verdade? Deus nos guarde de semelhante extravio!

     Regozijemo-nos, porém, com um gozo vivo e sincero, pelo que Deus nos abençoou com uma bênção tão rica e abundante que não só se estende a nós, mas também a todos aqueles que nos pertencem; e, posto que a graça nos acordou pra esta bênção, deixemos que a fé lance mão dela e a aproprie para nossa família[5].

     Recordemos que o meio de provar que sabemos gozar de uma bênção, é sermos fiéis à responsabilidade que ela impõe. Dizer que conto com Deus para levar meus filhos à Canaã e, ao mesmo tempo, educá-los para Egito, é uma perniciosa ilusão. Minha conduta põe de manifesto que minha profissão é uma mentira, e não deveria me assombrar se, em suas justas dispensas, Deus permite que colha os frutos amargos de meus caminhos.

    A conduta é a melhor prova da realidade de nossas convicções, e, nisto, assim como em todas as demais coisas, esta Palavra do Senhor é solenemente verdadeira: “Se alguém quiser fazer a vontade de Deus, há de saber se a doutrina é dele” (João 7:17). Mas Freqüentemente queremos conhecer a doutrina antes de fazer Sua vontade, e a conseqüência disso é que somos deixados na mais profunda ignorância. Fazer a vontade de Deus respeito à nossos filhos, é considerá-los tal como Deus o faz: como parte de nós mesmos, e educá-los em conseqüência. Não é simplesmente esperar que eles mais tarde se manifestem como filhos de Deus, a não ser considerá-los como aqueles que já foram introduzidos em uma posição de privilégio, e tratar com eles segundo este princípio, em todo respeito.

     Se poderia concluir dos pensamentos e atos de muitos pais cristãos que, A seus olhos, seus filhos não são mais que gentios que não têm, para o presente, nenhum interesse em Cristo nem nenhuma relação com Deus absolutamente. Isto, certamente, é errar terrivelmente o alvo divino. Não se trata aqui da tão Freqüentemente debatida questão do batismo dos meninos ou dos adultos. Não; trata-se simples e unicamente de uma questão de fé no poder e nos alcances desta palavra tão particularmente cheia de graça: “Tu e tua casa”; uma palavra cuja força e beleza se farão cada vez mais evidentes a nós à medida que avancemos neste breve escrito.

    No capítulo 16 do livro de Números, V. 26-27, vemos ainda as crianças consideradas como inseparavelmente unidas à seus pais, e isso em uma circunstância das mais solenes. E Moisés “f E falou à congregação, dizendo: Retirai-vos, peço-vos, das tendas desses homens ímpios, e não toqueis nada do que é seu, para que não pereçais em todos os seus pecados. 27 Subiram, pois, do derredor da habitação de Corá, Datã e Abirão. E Datã e Abirão saíram, e se puseram à porta das suas tendas, juntamente com suas mulheres, e seus filhos e seus pequeninos.”. Todos estes meninos descenderam vivos ao abismo e os tragou a terra, não por estar pessoalmente associados à rebelião, a não ser por causa de sua identidade com seus pais rebeldes. Seja em bênção,  seja em julgamento, Deus trata aos filhos como sendo um com seus pais. Poderia-se perguntar: por que? E Deus responde em Êxodo 34:6-7: “Tendo o Senhor passado perante Moisés, proclamou: Jeová, Jeová, Deus misericordioso e compassivo, tardio em irar-se e grande em beneficência e verdade; 7 que usa de beneficência com milhares; que perdoa a iniqüidade, a transgressão e o pecado; que de maneira alguma terá por inocente o culpado; que visita a iniqüidade dos pais sobre os filhos e sobre os filhos dos filhos até a terceira e quarta geração.” Algumas pessoas poderiam encontrar dificuldade no fato de conciliar esta passagem com a de Ezequiel 18:20, onde se diz: “A alma que pecar, essa morrerá; o filho não levará o pecado do pai, nem o pai levará o pecado do filho; a justiça do justo será sobre ele, e a impiedade do ímpio será sobre ele.” Neste último versículo, o pai e o filho são considerados em sua própria capacidade individual e, em conseqüência, são julgados segundo o estado moral de cada um individualmente. Aqui se trata de uma questão absolutamente pessoal.

A casa do servo de Deus no livro do Deuteronômio

     Ao longo de todo o livro de Deuteronômio, os israelitas são uma e outra vez ensinados por Deus a pôr os mandamentos, os estatutos, os julgamentos e os preceitos da lei diante de suas crianças; e estas mesmas crianças são representados, em muitas circunstâncias, como inquirindo na natureza e objeto de diversos regulamentos e instituições. O leitor, caso queira, pode ler facilmente as diversas passagens.

Josué e sua casa

     Quero passar agora a considerar essa tão bela declaração de Josué: “escolhei hoje a quem haveis de servir... mas eu e minha casa serviremos ao Senhor” (Josué 24:15). Notemos que ele não disse somente “eu”, e sim “eu e minha casa”. Josué compreendia que não era suficiente que ele mesmo fosse pessoalmente puro de todo contato com as contaminações e abominações da idolatria; sentia, além disso, que tinha que velar sobre o caráter moral e sobre a condição prática de sua casa. Embora Josué não  tivera ido adorar aos ídolos, teria sido culpado se seus filhos os tivessem servido? Além disso, o testemunho da verdade teria sido assim realmente manchado tanto pela idolatria da casa de Josué como pela idolatria do próprio Josué ; e o julgamento, em conseqüência, não poderia ter sido evitado.

Eli e sua casa

     Bom é ver isto claramente. O começo do primeiro livro de Samuel proporciona uma muito solene prova desta verdade: “Então disse o Senhor a Samuel: Eis que vou fazer uma coisa em Israel, a qual fará tinir ambos os ouvidos a todo o que a ouvir. 12 Naquele mesmo dia cumprirei contra Eli, de princípio a fim, tudo quanto tenho falado a respeito da sua casa. 13 Porque já lhe fiz: saber que hei de julgar a sua casa para sempre, por causa da iniqüidade de que ele bem sabia, pois os seus filhos blasfemavam a Deus, e ele não os repreendeu”(1.º Samuel 3:11-13).

     Neste exemplo vemos que qualquer que seja o caráter pessoal do servo de Deus, o Senhor não o terá por inocente se não pôr em ordem sua casa como corresponde. Eli devia ter repreedido a seus filhos. Era seu privilégio, como é o nosso, poder contar com o poder de Deus atuando com ele para submeter todo elemento que, em sua casa, fosse por natureza a comprometer o testemunho que se deve a Deus. Mas ele não atuou neste sentido nem soube aproveitar-se deste poder para vencer o mal nos seus; assim, o fim de Eli foi um terrível julgamento: porque seu coração não tinha sido quebrantado por motivo de sua casa, sua nuca foi quebrantada por motivo da casa de Deus. Se Eli tivesse contado com Deus e atuado fielmente com Ele para reprimir aos obstinados filhos, segundo a Santa responsabilidade que recaía sobre ele, a casa de Deus nunca teria sido profanada, e a arca de Deus não teria sido tomada. Em uma palavra, se Eli tivesse considerado a sua família como parte de si mesmo, e tivesse feito dela o que devia ser, não teria atraído sobre si o terrível julgamento daquele que tem por princípio não separar jamais estas palavras“Tu e tua casa.”

    Ai !, depois deste evento, quantos pais seguiram as pisadas de Eli! Quantos pais há que se fazem uma idéia totalmente falsa da base e do caráter de suas relações com seus filhos, atuando para eles segundo o princípio de uma indulgência ilimitada, lhes deixando fazer sua própria vontade em todo o período que vai da infância, passando pela adolescência, até a idade adulta? Tais pais não têm fé para assumir o terreno divino, e lhes faltou até a força moral necessária para assumir o terreno humano para fazer que seus filhos os respeitem e os obedeçam; e o resultado de tudo isto é o mais triste espetáculo de extravagante insubordinação e de insensata confusão.

     O primeiro objeto que deve propor o servo de Deus no governo de sua casa é render nela um testemunho à glória daquele cuja casa ele mesmo pertence. Este é realmente o verdadeiro terreno no qual deve atuar um pai cristão, o verdadeiro princípio que deve reger a ele. Eu não devo procurar ter meus filhos em ordem para que me causem menos moléstia ou por uma questão de conveniência para mim, mas sim porque a glória de Deus está interessada na ordem piedosa das casas de todos aqueles que formam parte da casa de Deus.






A casa do crente no Novo Testamento

     Mas pode ser que se lancem contra tudo o que havemos dito até aqui sobre este ponto, não respira mais que a atmosfera do Antigo Testamento, e que os princípios e provas só foram deduzidos dali. «Agora, pelo contrário, se dirá: Deus atua para nós segundo o princípio da eleição e da graça, o qual conduz à chamada individual de uma pessoa, sem ter em conta nenhum laço nem nenhuma relação doméstica, de modo que podemos achar que um santo é muito piedoso, devoto e viciado nas coisas celestiais, mas na verdade como cabeça de uma família ímpia, desordenada e mundana.»

     Em oposição a isto, sustento que os princípios do governo moral de Deus são eternos e, por conseguinte, deveriam ser os mesmos e ter sua aplicação em todas as idades. Deus não pode ensinar, em um tempo, que um homem e sua casa são um e que a cabeça deve governá-la convenientemente, e logo, em outro tempo, ensinar que o pai e sua família não são um e que o pai é livre de dirigi-la como lhe agradar. Isto é impossível.

     A aprovação ou a desaprovação de Deus a respeito de tal ou qual coisa deriva do que Ele é em si mesmo; e como Deus governa sua casa segundo o que ele é em si mesmo, ele encomenda a seus servos que dirijam suas casas segundo o mesmo princípio. A dispensação da graça ou do cristianismo anulou acaso esta bela ordem moral? OH, não! Ao contrário; adicionou, se for possível, novos traços de beleza.

     Se a casa de um judeu era considerada como parte de si mesmo, a de um crente o será talvez menos? Por certo que não. Seria fazer um triste abuso e uma falsa aplicação dessa celestial palavra graça, caso se autorizasse seu uso para justificar a desordem e a desmoralização que prevalece nas casas de inumeráveis cristãos de nossos dias. É verdadeiramente a graça que faz que um pai dê rédeas soltas à vontade de seus filhos? É a graça que dá livre curso aos caprichos, o mau gênio, os apetites e as paixões de uma natureza corrompida? Que nos guardemos de chamar isso de graça, por medo de perder a essência do verdadeiro sentido desta palavra, e a chegar a imaginar que a graça é o princípio de todo este mau! Chamemos isto por seu próprio nome: um monstruoso abuso da graça; uma negação de Deus, não somente como Governador de sua própria casa, mas também como Administrador moral do universo: uma flagrante contradição de todos os preceitos inspirados que tratam sobre este tão importante tema.



Exemplos tirados do Novo Testamento

     Pois bem, deixando o Antigo Testamento, vejamos se não acharmos, nas sagradas páginas do Novo, amplas e numerosas provas em apoio de nossa tese. Nesta grande divisão do Livro de Deus, o Espírito Santo separa a família de um homem dos privilégios e responsabilidades que o Antigo Testamento lhe conferem? Veremos muito claramente que ele não faz nada disso. Vamos às provas.

     Quando o Senhor Jesus envia seus apóstolos em missão, lhes diz: “Em qualquer cidade ou aldeia em que entrardes, procurai saber quem nela é digno, e hospedai-vos aí até que vos retireis. 12 E, ao entrardes na casa, saudai-a; 13 se a casa for digna, desça sobre ela a vossa paz; mas, se não for digna, torne para vós a vossa paz (Mt 10:11-13). Por outro lado, Jesus disse a Zaqueu: “Disse-lhe Jesus: Hoje veio a salvação a esta casa, porquanto também este é filho de Abraão. 10 Porque o Filho do homem veio buscar e salvar o que se havia perdido.” (Lucas 19:9-10).

     Também na casa do Cornelio: “ Envia a Jope e manda chamar a Simão, que tem por sobrenome Pedro, 14 o qual te dirá palavras pelas quais serás salvo, tu e toda a tua casa”(At 11:13-14). Assim foi dito também ao carcereiro do Filipos: “Crê no Senhor Jesus Cristo, e será salvo, tú e sua casa”(At 16:31). Depois vemos o resultado prático: “Então os fez subir para sua casa, pôs-lhes a mesa e alegrou-se muito com toda a sua casa, por ter crido em Deus” (V. 34). No mesmo capítulo, Lidia, depois de ter sido batizada, assim como sua casa, disse: “Se haveis julgado que eu sou fiel ao Senhor, entrai em minha casa, e ficai ali” (V. 15).

     “Tenha o Senhor misericórdia da casa de Onesíforo”; e por que? Porque fizeram boas ações ao apóstolo? Não, disse Paulo, mas porque ele, Onesíforo, “confortou-me, e não se envergonhou de minhas cadeias” (2.ª Timoteo 1:16). “É necessário que o bispo seja irrepreensível... que governe bem sua casa, que tenha seus filhos em sujeição com toda honestidade (pois o que não sabe governar sua própria casa, como cuidará da igreja de Deus?)” (1.ª Timoteo 3:2, 4-5).

     Em todas estas pesquisas, achamos a mesma grande verdade, Ou seja, que quando Deus visita um homem, conferindo-lhe bênções e responsabilidades, visita da mesma maneira a casa deste homem. Percorram toda a Escritura inspirada, desde o começo até o fim, e verão este princípio prático cuidadosamente estabelecido e situado. É algo digno de Deus que o façamos conhecer; mas, ai, amados irmãos no Senhor, quão infiéis fomos e quanto prejuízo ocasionamos ao testemunho dado ao Filho de Deus nestes últimos tempos por nossas faltas a este respeito e a tantos outros!

     O mau se manifestou, é verdade, sob diversas formas: orgulho, vaidade, mundanismo, espírito carnal, motivos tristemente mesclados, ímpio desdobramento de uma energia puramente carnal ou intelectual, emprego da preciosa Palavra de Deus como um pedestal para elevar a nós mesmos, miseráveis pretensões a uma posição na Igreja ou no mundo, imitação de dons, exposição desleal de princípios cuja influência jamais foi realmente experimentada por nossas consciências, apresentação a outros de uma balança em que nós mesmos jamais nos pesamos na presença de Deus, lamentável estado de uma consciência que, se estivesse em ordem, nos teria conduzido a ver a manifesta inconseqüência que existe entre os princípios que professamos e nossa maneira de viver.

     Em todas estas coisas, como em muitas outras, teve lugar uma das mais profundas e evidentes quedas, uma queda que entristeceu ao Espírito Santo de Deus pelo qual professamos estar selados, e que desonrou o santo Nome que é invocado sobre nós. O pensamento sobre esta queda deveria fazer-nos tomar o saco e as cinzas, nos cobrir de vergonha e de tristeza de rosto, nos conduzir à humilhação e à confissão, não um momento, um dia ou uma semana, mas sim até que Deus mesmo nos levante. Às vezes tivemos algumas reuniões de oração e de humilhação, mas, ai, irmãos, assim que estamos fora, provamos, pela detestável ligeireza de nosso espírito e de nossa maneira de ser, quão pouco havemos realmente julgado nosso estado diante de Deus! Desta maneira, como poderia alcançá-la tão profunda e estendida raiz do mal de nossos corações? Nossa consciência tem necessidade de ser profundamente trabalhada, a fim de que a semente da verdade divina não tenha sido semeada em vão. O instrumento de que Deus se serve para trabalhar e semear de uma vez, é a verdade. Por conseguinte, Ele nos coloca sob a ação desta verdade, produzindo, sob sua influência, um coração honesto e bondoso, uma consciência delicada e um espírito reto. Agora bem, se a verdade atuasse sobre nós desta maneira, o que nos revelará? Qual é nosso estado? O que é que somos em meio desta esfera, na qual o Senhor nos mandou “negociai até que eu Venha? ( Lc 19: 13)

     A que se deve que nossas reuniões de culto, de edificação e de oração sejam tão Freqüentemente sem poder e sem eficácia? A promessa de Cristo é, portanto, sempre verdadeira: “Onde estão dois ou três congregados em meu nome, ali estou em meio deles” (Mt 18:20). Pois bem, ali onde sua presença é realizada, tem que haver poder e bênção; mas ele não nos faz sentir sua presença a menos que nossos corações, verdadeiros e retos diante dele, busquem-lhe como o objeto especial de nossa reunião. Se tivermos em vista outro objeto além Dele, não podemos dizer mais que estamos reunidos em seu Nome, e, em conseqüência, sua presença não será realizada.

   Quantos cristãos assistem às reuniões sem ter Cristo como seu primeiro e direto objeto! Uns vão ouvir as mensagens, a fim de serem edificados.  O motive da reunião é a edificação, não Cristo. Pode ser que haja piedosas emoções, santas aspirações, muito de sentimentos religiosos, um vivo interesse intelectual em ocupar-se da letra das Escrituras ou de certos pontos da verdade; mas tudo isto pode existir sem a menor realização da Santa e  santificante presença de Cristo, segundo a promessa feita em Mt 18:20.

     Outros vêm à assembléia com o coração preocupado do que querem dizer ou fazer. Têm um capítulo para ler, um hino para indicar, algumas observações que fazer, ou têm a intenção de orar e esperam o momento favorável para  adiantarem-se. Ai, é perfeitamente evidente que não é Cristo o objeto principal destes cristãos, a não ser unicamente o eu, seus pobres atos e suas miseráveis palavras! Estas pessoas contribuem a despojar à assembléia de seu caráter de santidade, poder e verdadeira elevação, pois, por causa delas, não é Cristo o que preside, é a carne que figura, mas como, além disso, nas mais solenes circunstâncias. A carne pode desempenhar seu rol em um teatro ou em uma tribuna política, mas, em uma assembléia de Santos, ela deveria ser como se não existisse.

     Não estou absolutamente autorizado para me apresentar diante do Senhor, em uma reunião de filhos de Deus, com a premeditação de ler tal ou qual capítulo, de indicar tal ou qual hino, ou com um discurso preparado. Devo vir em meio de meus irmãos para me colocar na presença de Deus e me submeter à sua soberana direção. Em uma palavra, fixar a mira no nome de Jesus, somente ele seria meu objeto, e esqueceria qualquer outra coisa. Isso não quer dizer que ao ter Jesus por objeto, não possa nem falar nem receber edificação. OH, muito ao contrário!; pois quanto mais o Senhor esteja posto diante de mim, serei verdadeiramente capaz de edificar e de ser edificado. O menor está sempre incluído no maior. Se tiver Cristo, não posso deixar de ter a edificação, mas se eu procurar esta no lugar de Cristo, se fizer dela meu objeto, perco as duas coisas.

     Quantos cristãos há, além disso, que vão render culto e que não têm a consciência desencardida, nem o coração julgado nem a carne mortificada! Ocupam seu lugar nos bancos, mas são frios e estéreis, sem orações e sem fé, sem um objeto real. Assistem mecanicamente, porque têm o hábito de assistir, mas não os motiva um sincero desejo de encontrar ao Senhor. Para eles, o congregar-se não é mais que uma pura formalidade religiosa, e para outros não são outra coisa que um obstáculo para a bênção.

     Assim pois, numerosas e diversas causas concorrem para corromper as fontes da vida e do vigor nas assembléias, e essa é a razão do por que o testemunho é, em geral, tão pobre e tão fraco no nosso meio. Só um profundo trabalho de consciência seria capaz de sondar até o fundo essas causas terriveis. Ah!,... “Sou eu, Senhor?” É absolutamente inútil esperar uma bênção duradoura ou uma verdadeira restauração, enquanto não sejamos seriamente levados a uma verdadeira humilhação, a um sincero julgamento de nós mesmos. Se somos chamados a dar testemunho de Cristo, é mister que este chamado encontre aos pés de Jesus, tendo aprendido, ali, o que somos, e quanto faltamos.

     Ninguém tem o direito de lançar a pedra contra o outro. Todos nós pecamos; todos fomos infiéis ao testemunho do Filho de Deus; todos contribuímos, em alguma medida, ao humilhante estado das coisas que nos rodeia. Não se trata aqui de uma simples questão de igreja, de uma simples diferencia de julgamento quanto a certos pontos da verdade, por importantes que sejam em si mesmos. Não, irmãos, o mundo, a carne e o diabo estão no fundo de nosso triste estado atual, e todos os argumentos que o amor de Cristo poderia nos sugerir, se reúnem para nos convidar a que nos julguemos a nós mesmos a fundo, na presença de Deus.

     Agora bem, estou convencido de que se este julgamento tivesse lugar e tudo fosse posto na luz, veriamos que uma das maiores causas de tanto mal, de tanta debilidade e de tão grande queda, consiste na negligência do que implica a expressão: “Tu e tua casa.” Para alguns observadores, os filhos constituem o critério do que são os pais; e a casa revela o estado moral de seu chefe.

     Eu jamais poderia formar uma idéia exata do que é um homem, segundo o que vejo ou ouço dele em uma assembléia. Ali ele pode parecer muito espiritual, e ensinar coisas muito belas e verdadeiras; mas, para julgar sadiamente a respeito de sua pessoa, me permitam entrar em sua casa, e ali poderia conhecer dele. Ele poderia falar como um anjo do céu, mas se sua casa não é governada segundo Deus, não pode ser um fiel testemunho de Cristo.

O significado da expressão “casa”

     Pois bem, sob a expressão “casa”, duas coisas, eventualmente três, se acham compreendidas: a casa propriamente dito, os filhos e, dado o caso, os criados ou domésticos. Estas três coisas, sejam juntas ou em separado, deveriam levar o selo de que pertencem a Deus. A casa de um homem de Deus deve ser governada por Deus, para sua glória e em seu nome. O chefe de uma casa cristã é o representante de Deus. Já como pai ou como amo, ele é, para todos aqueles que estão sob seu teto, o depositário da autoridade de Deus, e tem o dever de atuar segundo a inteligência e o desenvolvimento prático deste fato. Sobre este princípio deve dirigir sua casa e prover para a mesma. Por isso está escrito: “Se alguém não prover para os seus, e principalmente para os de sua casa, negou a fé, e é pior que um incrédulo” (1.ª Tm 5:8).

     Ao descuidar a esfera na qual Deus a estabeleceu, ele evidencia conhecer pouco àquele a quem é chamado a representar e, por conseqüência, assemelha-se pouco a Ele. Isto é muito simples. Se eu desejo saber que cuidado devo ter daqueles que estão sob minha responsabilidade e como devo governar minha casa, só tenho que estudar cuidadosamente a maneira em que Deus cuida dos seus e na qual governa sua casa. Esta é a verdadeira maneira de aprender. Não se trata aqui de saber se as pessoas que constituem a casa são ou não convertidas. O que desejo urgir na consciência de todos os cristãos chefes de família, é que tudo o que eles fazem, de um extremo
a outro de sua marcha, deveria levar muito visivelmente o selo da presença de Deus e de sua autoridade; que haja um claro reconhecimento de Deus da parte de cada integrante da casa. A influência do pai de família deve ser tal que, quando ele está ali, cada um fosse levado a dizer ou pensar: Deus está ali; e deveria acontecer isso, não para que o chefe da casa seja louvado por causa de sua influência moral e de sua judiciosa administração, Mas simplesmente para que Deus seja glorificado. Este não é um objetivo inalcançável, e nunca deveríamos estar satisfeitos com nada inferior a ele.

     A casa de todo cristão deve ser uma representação em miniatura da casa de Deus, nem tanto quanto à condição real de cada integrante em particular, a não ser quanto à ordem moral e à piedosa disposição do conjunto. Alguns poderiam sacudir a cabeça e dizer: «Tudo isto é muito belo, mas onde o achamos?. Limito-me a perguntar: A Palavra de Deus ensina e prescreve ao cristão a governar sua casa desta maneira? Se for assim, pobre de mim se recusasse obedecer ou faltasse em fidelidade à obediência! Toda pessoa honesta e de reta consciencia reconhecerá que já deu lugar  a uma das mais graves quedas quanto à direção de nossas casas; mas nada é mais vergonhoso que ver um homem que sabendo, sinta-se tranqüilamente e está muito satisfeito ante ao estado de desordem e indisciplina que reina em sua casa, por lhe parecer impossível alcançar a ordem perfeita que Deus lhe tem proposto.

     Tudo o que tenho que fazer é seguir as diretrizes da Escritura, e a bênção seguirá certamente cedo ou tarde, pois Deus não pode negar a si mesmo. Mas se, pela incredulidade de meu coração, persuado-me de que me é impossível alcançar a bênção, de seguro que jamais a terei. Todo privilégio ou toda bênção que Deus põe diante de nós, exige uma energia de fé para sua consecução. É como Canaã para os filhos de Israel: o país estava diante deles, mas eles deviam entrar e tomar posse dele, pois Deus havia dito: “Todo lugar que pisar a planta de seu pé” (Josué 1:3). Assim ocorre sempre: a fé toma posse do que Deus dá.

     Nosso único objetivo, em tudo o que façamos, deve ser glorificar Àquele que tem feito de nós tudo o que somos e o que seremos pela eternidade; e o que pode ser mais contrário a este objetivo, e mais desonroso para Deus, que ver que a casa de um servo de Deus é justamente o contrário ao que Ele deseja que seja? Como os olhos de Deus deve considerar tal coisa, se nossos olhos humanos se escandalizam disso? Entretanto, se a gente fosse julgar segundo o que vê em tal casa, pareceria como se os cristãos pensassem que não existe a menor relação entre a conduta de sua casa e seu testemunho. É muito humilhante encontrar-se com aqueles que, em seu aspecto pessoal, parecem excelentes cristãos, mas que falham por completo no governo de suas casas. Eles falam da separação em relação ao mundo, mas suas casas apresentam o mais penoso mundanismo. Dizem que o mundo é crucificado para eles e que eles são crucificados em relação ao mundo, e, entretanto, o selo do mundo se pode ver em sua própria casa em toda parte. Cada objeto dele parece destinado a servir aos desejos da carne, os desejos dos olhos e a vanglória da vida” (1.ª João 2:16). Altos e imponentes espelhos de parede que refletem a própria carne; suntuosos tapetes e esplêndidos móveis e sofás destinados à comodidade da carne; pomposas e brilhantes luzes que põem ao descoberto o orgulho e a vaidade da carne. Alguém nos dirá que ao descer a estes detalhes infantis, assumimos um terreno muito baixo. Quanto a isso respondo que as filhas do Sião poderiam dizer exatamente o mesmo a respeito destas palavras que o Senhor lhes dirige em Isaías 3:18-23: “Naquele dia lhes trará o Senhor o ornamento dos pés, e as coifas, e as luetas; 19 os pendentes, e os braceletes, e os véus; 20 os diademas, as cadeias dos artelhos, os cintos, as caixinhas de perfumes e os amuletos; 21 os anéis, e as jóias pendentes do nariz; 22 os vestidos de festa, e os mantos, e os xales, e os bolsos; 23 os vestidos diáfanos, e as capinhas de linho, e os turbantes, e os véus.” Não era isso descer a detalhes triviais? Não poderia dizer o mesmo desta passagem de Amós 6:1-6: “Ai dos que vivem sossegados em Sião, e dos que estão seguros no monte de Samária, dos homens notáveis da principal das nações, e aos quais vem a casa de Israel! 2 Passai a Calné, e vede; e dali ide à grande Hamate; depois descei a Gate dos filisteus; porventura são melhores que estes reinos? ou são maiores os seus termos do que os vossos termos? 3 ó vós que afastais o dia mau e fazeis que se aproxime o assento da violência. 4 Ai dos que dormem em camas de marfim, e se estendem sobre os seus leitos, e comem os cordeiros tirados do rebanho, e os bezerros do meio do curral; 5 que garganteiam ao som da lira, e inventam para si instrumentos músicos, assim como Davi; O Espírito de Deus pode descer aos detalhes, quando a ocasião assim o requer.

     Mas alguns ainda podem dizer: «Nossas casas deve estar em harmonia com a classe que ocupamos na sociedade, e mobiliadas em conseqüência.» Tal objeção não faz mais que revelar muito abertamente o verdadeiro estado de alma daquele que a empunha: um estado mundano, sem dúvida. «Nossa classe na sociedade!» Este terreno, sem dúvida, é o mundo. O que quer dizer realmente esta expressão, quando se aplica àqueles que professam estar mortos para o mundo? Falar de nossa classe na sociedade, de nossa «posição social», é negar os próprios fundamentos do cristianismo. Se tivermos uma classe segundo o mundo, então se segue que devemos viver como homens na carne, ou como homens naturais, e então a lei tem todo seu império contra nós, pois “a lei tem domínio sobre o homem enquanto este vive” (Romanos 7:1). Esta classe na vida, esta posição social, deve ser, pois, um assunto muito sério.

     Permita-me perguntar: Como se obteve essa classe social? ou em que vida a encontramos? Se for nesta vida, seríamos, pois, mentirosos quando dizemos que  temos sido “crucificados com Cristo” (Gálatas 2:20), “mortos com Cristo” (Colosenses 2:20), “sepultados com Cristo” (Romanos 6:4), “ressuscitados com Cristo” (Colosenses 3:1), que saímos fora do arraial para Cristo” (Hebreus 13:13), que não estamos “na carne”, que não somos “do mundo que passa” (1.ª João 2:17). Todas estas palavras, pois, são algumas das tantas brilhantes mentiras na boca daqueles que  a possuem, ou pretendem possuir, uma classe social nesta vida. Esta é a verdade do assunto; e devemos deixar que a verdade alcance nossas consciências e atue nelas, a fim de que exerça sua influência sobre nossa vida prática.

    Qual é, pois, a única vida em que temos uma classe?: A vida de ressurreição de Cristo. Esta é a vida na qual o amor redentor nos deu uma classe. E certamente, sabemos muito bem que os mobiliários mundanos, as vestimentas custosas, a ostentação e o luxo, não têm nada que ver com a classe nesta vida. OH, não! O que está em harmonia com a vida celestial que Jesus ganhou para nós e nos comunicou, é a santidade de caráter, a pureza de vida, o poder espiritual, uma profunda humildade, a caridade, a separação de tudo o que concerne diretamente ao mundo e à carne; não há dúvida de que adornar nossas pessoas e nossas casas com essas coisas, seria certamente as adornar «conforme à classe que ocupamos na sociedade». Mas esta objeção põe, de fato, ao descoberto o verdadeiro princípio que jaz no fundo do coração. Já foi observado que a casa revela a condição moral do homem, e esta objeção confirma tal declaração. Aqueles que falam, ou pensam, a respeito de sua classe nesta vida, “em seus corações, voltaram-se para o Egito” (Atos 7:39). E qual será o fim dos tais de acordo com o que Deus diz? “Transportarei-lhes, pois, além da Babilônia” (Atos 7:43). É de se temer sobremaneira que a “grande pedra de moinho” de Apocalipse 18 nos apresente um quadro muito fidedigno do fim de muitos dos elementos doentios, espúrios e ocos do cristianismo de nossos dias.

     Entretanto, alguém pode alegar ainda que o cristianismo não aprova a desordem e a sujeira das casas, Ao que diria que isso é perfeitamente certo. Conheço poucas coisas que sejam mais penosas e desonrosas que ver a casa de um cristão caracterizada pela sujeira e a desordem. Tais coisas jamais deveriam existir em relação com uma mente verdadeiramente espiritual ou inclusive bem ordenada. Onde tais coisas existem, podemos estar seguros de que elas são a conseqüência de algum mal moral. Aqui, todavia, a casa de Deus nos é apresentada de forma especial como um bendito modelo. Sobre a porta desta casa se pode ver esta preciosa inscrição : “Faça-se tudo decentemente e com ordem” (1.ª Corintios 14:40). Em conseqüência, todos aqueles que amam a Deus e a Sua casa, desejarão ver este princípio aplicado em seus próprios lares.

O governo dos Filhos

     À parte da casa propriamente dita, outro ponto que vejo incluído na expressão “Tu e tua casa” é o governo dos filhos. Ah, este é um ponto doloroso e profundamente humilhante para muitos de nós, posto que revela um amontoado de tristes fracassos! O estado dos filhos tende a manifestar, mais que toda outra coisa, o estado moral dos pais. A medida real de minha renuncia  a mim mesmo e ao mundo, mostrar-se-á constantemente nos pensamentos que tenho a respeito de meus filhos e na maneira em que trato com eles e os dirijo. Eu faço profissão de ter renunciado ao mundo quanto a mim pessoalmente; mas, renunciei também ao mundo para meus filhos? Alguns exclamarão: «Mas como poderia fazê-lo? Meus filhos não são convertidos e, por conseguinte, são do mundo.» Aqui de novo se revela o verdadeiro estado moral do coração daquele que fala assim. Ele mesmo realmente não renunciou ao mundo, e seus filhos lhe servem de pretexto para jogar mão novamente das coisas às que outrora professou renunciar, mas que em realidade guardava no coração. Meus filhos são ou não parte de mim? Certamente que sim. Pois bem, se eu professo ter deixado o mundo para mim mesmo (Gálatas 6:14), e mesmo assim o busco para eles, o que é isso a não ser a estranha anomalia de um homem que está metade no Egito e metade em Canaã? Bem sabemos onde está realmente este homem em sua totalidade: o tal está, de fato e de coração, inteiramente no Egito.

     Irmãos, é aqui onde devemos julgar a nós mesmos. A direção de nossos filhos atesta contra nós. Suponhamos que damos a nossos filhos professores de música e dança: estes não são certamente os agentes que o Espírito Santo escolheria para levá-los a Cristo, nem tampouco isso guarda nenhuma harmonia com o elevado e santo “nazireado” a que somos chamados. Se eu os educar para o mundo antes que para o testemunho de Cristo, isso demonstra que Cristo não é a porção que minha alma escolheu como plenamente suficiente para mim e como a mais apreciada. Pois enfim, o que estimaria suficiente para mim, eu o estimaria suficiente para meus filhos, os quais são parte de mim; e seria tão insensato para educá-los para este mundo e para Satanás, que é seu príncipe? Alimentaria neles e consentiria aquelas coisas em relação às quais fiz profissão de ter dado morte em relação comigo? Isso é um grave engano! E cedo ou tarde veremos as tristes conseqüências. Se deixo  meus filhos no Egito, isso implica que eu mesmo estou ali ainda. Se os deixo gozar da Babilônia, isso indica que eu mesmo amo ainda seus falsos deleites. Se meus filhos pertencerem de fato a um sistema religioso corrupto e mundano, é porque, em princípio, eu mesmo pertenço a ele. “Tu e Tua casa” São um; Deus os tem feito um, e “o que Deus juntou, não o separe o homem” (Mateus 19:6).

     Ésta é uma verdade solene e esquadrinhadora, à luz da qual podemos ver claramente o mal que significa fazer ou deixar que nossos filhos sigam um caminho em relação ao qual professamos ter voltado as costas para sempre, por acreditar firmemente que este caminho leva ao inferno. Professamos estimar como “esterco” e “escória” (Filipenses 3:8), a literatura, as honras, as riquezas, as distinções e os prazeres do mundo; pois bem, as mesmas coisas que declaramos ser só obstáculos para nossa carreira cristã, e que professamos ter descartado para nós mesmos, recomendaríamo-las diligentemente aos nossos filhos como essenciais para seu progresso? Atuar assim seria esquecer completamente que as coisas que são obstáculos para nós, não podem absolutamente ser uma ajuda para nossos filhos, se quisermos que eles obtenham o mesmo objetivo que nós[6]. Seria imensamente melhor e mais sincero tirar a máscara de nosso próprio mundanismo e declarar francamente que não abandonamos o mundo absolutamente; e nada poderia pôr melhor isto de manifesto que nossos filhos.

     Eu acredito que, pelo estado de nossas famílias, o justo julgamento do Senhor mostra qual é o estado real do testemunho entre nós. Em um grande número de casos, os filhos dos cristãos são conhecidos como os mais selvagens e ímpios da vizinhança. Deveria ser assim? Teria Deus por aceitável o testemunho de pais de tais filhos? Estes filhos seriam assim, se os pais partissem fielmente diante de Deus quanto a suas casas? A todas estas perguntas deveríamos necessariamente responder: não! Se os pais cristãos tão somente tivessem mantido firmemente em sua consciência este princípio: “Tu e Tua casa”, e o mesmo tivesse penetrado inteligentemente em sua mente, teriam compreendido que podiam contar com Deus e clamar a Ele, tanto para o testemunho de sua casa como para o seu próprio, os quais, na verdade, não podem ser separados, por mais que se tente da maneira que for, será em vão.

     Quão Freqüentemente alguns se sentiram tristes para ouvir palavras como estas: «O tal é muito querido irmão, piedoso e devoto; mas é uma lástima que tenha os filhos mais descarados e selvagens da vizinhança, e que sua casa apresente tão triste mescla de indisciplina e confusão»! Pergunto que valor tem o testemunho de tal homem diante de Deus. Ai, muito pouco por certo! Ele pode ser salvo, mas a salvação será tudo o que devemos desejar? Acaso não temos que dar nenhum testemunho? E se o houver, qual é? e onde deve ser dado? Será que está limitado aos bancos de um salão de reunião, ou tem que ser visto também em nossas casas? Que o coração responda!

     Um poderá dizer: «Nossos meninos desejarão e terão necessidade de alguns gozos do mundo, e não podemos recusar-lhe não podemos pôr velhas cabeças sobre jovens ombros.» Quanto a isso respondo: Nossos corações também com freqüência desejam gozar de várias coisas do mundo; satisfaríamos todos seus desejos? Não! Eu espero, e sim os julgaríamos. Então façamos exatamente o mesmo com os desejos de nossos meninos. Se vir que meus filhos suspiram pelo mundo, devo imediatamente me julgar e me disciplinar a mim mesmo diante de Deus, Lhe clamando que me dê a capacidade necessária para reprimir estes pensamentos mundanos, de modo que o testemunho não sofra. Não posso outra coisa a não ser acreditar que se o coração dos pais está, do centro até a circunferência, desencardido do mundo, de seus princípios e de seus desejos, isso exercerá uma poderosa influência sobre toda sua casa.

     Isto é o que faz esta questão de tão vasta magnitude e de tanta importância prática. É minha casa um critério exato pelo que posso julgar meu real estado moral? Eu acredito que todo o ensino da escritura está a favor de uma resposta afirmativa; e isto é o que faz nosso tema particularmente solene. Como tenho andado como chefe de família? Meu caráter e minha conduta são o suficientemente inequívocos de modo de resultar a todos evidente que meu supremo e único objeto é Cristo, e que eu não estou mais disposto a educar meus filhos para o mundo, nem a desejar o mundo para eles, nem abrir diante deles, se pudesse, as portas do inferno e deixar que entrem? Sinto que isto impregnará profundamente em nós e nos sobressaltará de temor; não obstante, penso que é nosso dever prosseguir com esta interrogação até seus últimos limites.

     De onde provém, em muitos dos casos, esta terrível profanação, essa disposição em zombar das coisas sagradas, essa absoluta aversão pelas Escrituras e pelas reuniões onde se abrem essas Escrituras, e esse espírito cético e incrédulo, tão deploravelmente manifesto nos filhos de cristãos professos? Ousará alguém dizer que isto não é uma falta dos pais? Não se deve isto, em grande parte, a triste incongruência que existe entre os princípios professados e a conduta seguida pelos pais? Eu acredito que sim.

    Os filhos são perspicazes observadores, e logo logo descobrem quem são realmente seus pais. Eles tiram suas conclusões, não das orações e das palavras de seus pais,mas, de uma maneira muito mais expedita e exata, dos atos, de onde discernem em seguida os princípios e os motivos. E embora os pais lhes ensinem que o mundo e os caminhos do mundo são maus, e embora orem para que todos os membros de sua família conheçam e sirvam ao Senhor, não obstante, se os educa para o mundo, se procuram exaustivamente que progridam nele, que se agarrem fortemente dele e que consigam ter êxito nele mediante toda oportunidade que se apresente, festejando seu êxito quando eles mesmos obtiveram que seus filhos se estabelecessem no mundo, todos os demais ensinos e todas as orações se tornarão ineficazes. Os filhos começarão a dizer em seus corações: «Ah, o mundo é um bom lugar apesar de tudo, pois nossos pais dão graças a Deus por nos haver dado um destino, um lugar, neste mundo, que consideram como um significativo favor da Providência divina. Tudo o que eles dizem, pois, a respeito de estar mortos ao mundo e ressuscitados com Cristo, quando declaram que o mundo está sob julgamento e que nós somos estrangeiros e peregrinos nele, todos esses ditos peculiares deles devem ser considerados como coisas sem sentido ou, do contrário, os cristãos,assim chamados, devem ser considerados como uns embusteiros!» Quem poderia duvidar de que tais raciocínios como estes alguma vez cruzaram pela mente de muitos filhos de pais cristãos? Não tenho a menor duvida disso. A graça de Deus, sem dúvida, é soberana, e pode triunfar sobre todos os nossos enganos e fracassos; mas OH, pensemos no testemunho, e velemos para que nossas casas sejam realmente administradas para Deus e não para Satanás[7]!

   Mas pode ser que se diga: «O que nossos filhos farão para “ganhar a vida” e satisfazer suas necessidades? Não é necessário que progridam na vida? Não é necessário que estejam em condições de ganhar seu pão?». Sem dúvida que sim. Deus nos tem feito para trabalhar. O próprio fato de que ele nos tem dado duas mãos prova que não devemos ser ociosos. Mas eu não vejo a necessidade de conduzir meus filhos com força pra dentro de um mundo que eu mesmo abandonei, com o propósito de lhes dar um meio de trabalho. O Deus Altíssimo, o Possuidor dos céus e da terra, teve um Filho, seu único Filho, o herdeiro de todas as coisas, por quem deste modo fez o universo; e quando enviou seu Filho ao mundo, não lhe assegurou nenhuma profissão erudita, mas foi conhecido como “o carpinteiro” (Marcos 6:3). Isso não nos diz nada? Não nos ensina nada?

     Agora, Cristo ascendeu Ao alto e se sentou à destra de Deus. Assim ressuscitado, é nossa Cabeça, nosso representante e nosso modelo; mas nos deixou um exemplo, para que sigamos suas pegadas (1.ª Pedro 2:21). Seguimos Suas pegadas ao procurar fazer que nossos filhos progridam e se destaquem neste mesmo mundo que lhe crucificou? Certamente que não; mas bem fazemos o contrário, e o resultado desse curso de ação não demorará para manifestar-se, pois está escrito: “Não vos enganeis: de Deus não se zomba; pois aquilo que o homem semear, isso também ceifará” (Gálatas 6:7). Se com respeito a nossos filhos semeamos para a carne e para o mundo, podemos saber o que colheremos. Mas não quero que de maneira nenhuma me interprete mal: não estou dizendo que um pai cristão deve colocar seus filhos por baixo do nível em que o Senhor pôs a Ele mesmo. Não creio que estivesse justificado para fazer isto. Se minha chamada fosse pra um viver piedoso, isso será o apropriado para meus filhos, assim como é para mim. Todos não podem ser carpinteiros, é certo; entretanto, a gente sente que, em um tempo de progresso como o presente, onde a grande divisa parecesse ser: «Para o alto e avante no mundo», o coração encontra uma profunda glória moral no fato de que o Filho de Deus,o Criador e Sustentador do universe, tenha sido conhecido entre os homens unicamente como “o carpinteiro”. Isto certamente nos ensina que os cristãos não devem estar procurando “grandes coisas” para seus filhos.

     Não somente com respeito à educação de nossos filhos temos faltado e arruinado o testemunho, mas,pecamos também, ao não havê-los mantido, em geral, em sujeição à autoridade paterna. a este respeito, houve uma grande falta de parte dos pais cristãos. O espírito do presente século é um espírito de independência e de insubordinação. “Desobedientes aos pais”, constitui um dos atributos da apostasia dos últimos dias (2.ª Timóteo 3:2), e nós havemos pessoalmente contribuído pra seu desenvolvimento mediante uma aplicação completamente falsa do princípio da graça, como também por não ver que a relação de pai e de mãe compreende um princípio de autoridade exercido em justiça, sem o qual nossas casas apresentariam um triste espetáculo de anarquia e confusão. Não provém da graça o fato de mimar e consentir uma vontade não santificada. Afligimo-nos por não ter uma vontade quebrantada e total, e, ao mesmo tempo, esmeramo-nos em fortalecer a vontade própria de nossos filhos. Que incongruência!

     Segundo meu julgamento, sempre é uma prova de debilidade no exercício da autoridade paterna, assim como de ignorância em relação à maneira em que o servo de Deus deve governar sua casa, o fato de que um pai ou uma mãe diga a seu filho: «Queres isto ou aquilo? Queres fazer tal coisa ou tal outra?». Esta pergunta, por simples que pareça, tende diretamente a criar ou alimentar a mesma coisa que devemos reprimir e submeter por todos os meios ao nosso alcance, ou seja, o exercício da  vontade própria na criança. Por isso, em vez de se dizer à criança: «Quer fazer tal coisa?», digamos primeiramente o que ele deve fazer, e jamais permitamos que lhe passe pela cabeça a idéia de pôr em dúvida nossa autoridade. A vontade de um pai deve ser considerada como suprema por seu filho, pois o pai está para ele no lugar de Deus. Todo poder pertence a Deus, e Ele investiu de poder o Seu servo, seja como pai ou como mãe. Se, pois, o filho ou o servo resistem a este poder, resistem a Deus [8].

     Quanto  aos servos, diz: “Todos os servos que estão debaixo de jugo considerem dignos de toda honra o próprio senhor, para que o nome de Deus e a doutrina não sejam blasfemados” (1.ª Timóteo 6:1). Notem que se diz: “Deus e a doutrina.” por que? Porque se trata de uma questão de poder. O nome de Cristo e a doutrina põem ao Senhor e ao servo em um mesmo nível, como membros do mesmo corpo (em Cristo Jesus não há diferença, Gálatas 3:28); mas quando saio dali e entro nas relações daqui de baixo, encontro-me com o governo moral de Deus que faz a um Senhor, e a outro servo; e toda infração cometida contra a ordem estabelecida por este governo atrairá um julgamento infalível.

O governo moral de Deus

     É de grande importância ter um claro entendimento da doutrina do governo moral de Deus. Ele resolveria muitas dificuldades e resolveria inúmeras questões. Este governo se exerce com uma decisão e uma justiça particularmente solenes. Se procurarmos na Escritura tudo relativo a este tema, acharemos que, em cada caso em que teve lugar um engano ou um pecado, este mal produziu indefectivelmente seus frutos. Adão tirou do fruto proibido e, imediatamente, foi expulso do jardim à um mundo de dores sob o peso da maldição causada por seu pecado. Jamais foi substituído no paraíso. A graça, é verdade, interveio, e lhe fez a promessa de um Libertador (Gêneses 3:15); além disso, ela cobriu sua nudez (Gênese 3:21). Entretanto, seu pecado produziu seu resultado. Adão tropeçou, e jamais recuperou o que tinha perdido por isso.

     Moisés, nas águas da Meribá, abriu sua boca com ligeireza e, imediatamente, o Deus justo lhe proibiu a entrada em Canaã. Neste caso também a graça interveio, e contribuiu algo melhor que o que tinha sido perdido: pois era muito melhor contemplar, do cume do Nebo, as planícies da Palestina em companhia do Senhor, que habitar com Israel (Deuteronômio 34:1-5).

     No caso de Davi, achamos também o mal seguido de sua conseqüência. David cometeu adultério, e esta sentença solene foi imediatamente pronunciada: “Não se apartará jamais de sua casa a espada” (2.ª Samuel 12:10). Aqui também a graça abundou, e Davi se alegrou disso, com um sentimento mais profundo, quando subia pela encosta das Oliveiras com os pés descalços e a cabeça coberta, como jamais tinha desfrutado em meio dos esplendores do trono (2.ª Samuel 15:30). Entretanto, seu pecado produziu seus resultados. David cometeu uma falta, e jamais recuperou o que perdeu.

     De nenhuma maneira este princípio, do pecado que leva seu fruto, se limita meramente aos tempos do Antigo Testamento. Também temos vários exemplos no Novo Testamento. Vemos Barnabé, por exemplo, expressar seu desejo, aparentemente muito conveniente, de conservar a sociedade de seu sobrinho Marcos (Atos 15:37). Desde esse momento, Barnabé perde o honorável lugar que tinha nos registros do Espírito Santo, quem não faz nenhuma menção mais dele. Seu lugar foi logo ocupado por um coração mais inteiramente devoto, mais livre dos afetos puramente naturais, que o de Barnabé[9].

     O governo moral de Deus é uma verdade da maior importância; é tal, que aquele que obra mau, colherá indefectivelmente o fruto de seu mau, independentemente de que seja crente ou incrédulo, santo ou pecador. A graça de Deus pode perdoar o pecado, e o fará, certamente, todas as vezes que o pecado for julgado e confessado; mas como o pecado atira um golpe aos princípios do governo moral de Deus, é mister que o ofensor seja levado a sentir sua falta. Ele cometeu um engano, e necessariamente deverá sofrer as conseqüências. Esta é uma verdade muito solene, mas particularmente saudável, cuja ação foi miseravelmente entorpecida por falsas noções a respeito da graça. Deus nunca permite que sua graça estorve seu governo moral. Não poderia fazê-lo, porque isso causaria confusão, e “Deus não é Deus de confusão” (1.ª Coríntios 14:33).


O governo da casa e as conseqüências de seu exercício

     Com respeito a isto houveram muitos fracassos no governo de nossas casas. esquecemos o princípio do justo governo que Deus pôs ante nós, e que Ele nos deu um exemplo ao exercê-lo[10].

     Meu leitor não deve confundir o princípio do governo de Deus com Seu caráter. Estas duas coisas são distintas. O primeiro é justiça, o segundo é graça; mas o que  quero fazer ressaltar agora, é o fato de que a relação de pai e de mãe implica um princípio de justiça, e que se este princípio não receber seu devido lugar no governo da família, haverá confusão. Se vier uma criança, extranha para mim, fazendo o mau, não tenho nenhuma autoridade da parte de Deus para exercer uma justa disciplina à respeito dele. Mas, assim que vejo meu próprio filho fazendo o mau, deverei discipliná-lo simplesmente porque sou seu pai.

     Mas pode ser que alguém diga que a relação de pai e filho é uma relação de amor. É verdade; está fundamentada no amor, como está escrito: “​Vede que grande amor nos tem concedido o Pai, a ponto de sermos chamados filhos de Deus” (1.ª João 3:1). Mas embora esta relação esteja fundada no amor, ela é exercida em justiça, pois está escrito também: “É tempo de que o juízo comece pela casa de Deus” (1.ª Pedro 4:17). Assim também Hebreus 12 nos ensina que o próprio fato de sermos filhos legítimos, nos coloca sob a justa disciplina da mão do Pai. E em João 17, a Igreja é encomendada aos cuidados do Pai santo para que a guarde em Seu nome.

     Pois bem, todas as vezes que os pais cristãos perdem de vista esta grande verdade, suas casas têm caido na desordem. Não souberam governar seus filhos e, como conseqüência disso, seus filhos, com o tempo, governaram a eles, pois é mister que o governo esteja em alguma parte; e se aqueles em cujas mãos Deus pôs as rédeas, não as têm como devessem, elas cairão logo em más mãos. Poderá haver algo mais triste e vergonhoso que ver os pais governados por seus filhos? Não duvido que, aos olhos de Deus, isso apresenta uma terrível mancha moral, que certamente atrairá cedo ou tarde Seu julgamento. Um pai que deixa deslizar de suas mãos as rédeas do governo, ou que não as retém tenazmente, falta gravemente à sua Santa e elevada responsabilidade de ser, para sua família, o representante de Deus e o depositário de Seu poder. Eu não acredito que tal homem possa jamais recuperar completamente sua posição, nem ser, em seu tempo e geração, uma fiel testemunha de Deus. Pode ser um objeto da graça; mas um objeto da graça e uma testemunha para Deus são duas coisas completamente diferentes. Isto pode explicar o lamentável estado de muitos irmãos. Eles faltaram totalmente a seu dever de governar suas casas segundo o Senhor, e por isso perdem sua verdadeira posição e sua influência moral; daí que sua energia é paralisada, suas bocas fechadas, seu testemunho anulado; e se alguns deles queiram elevar sua voz fracamente, será escarnecido por sua família, trazendo vermelhão em suas bochechas e remorsos em sua consciência.

     Nem todos têm sempre um parecer correto sobre este tema, e procuram as causas do fracasso em suas fontes legítimas. Muitos se apressam muito a considerar como algo natural e inevitável o fato de que seus filhos tenham que crescer na desobediência e no mundanismo. Sustentam que «enquanto os meninos são meninos, é natural e está bem que assim seja; mas esperemos que fiquem maiores, e constataremos que nos veremos obrigados a deixá-los irem ao mundo.» Pois bem, pergunto-me: É segundo o pensamento de Deus que os filhos de Seus servos tenham que crescer necessariamente no mundanismo e na insubordinação? Jamais poderia acreditar em tal coisa. Pois bem, se não é o ensamento de Deus que as crianças cresçam assim; se Deus, em sua misericórdia, tem aberto aos meninos de Seu Santos os mesmos atalhos que a estes últimos; se Ele autorizar aos pais cristãos a escolherem para suas famílias a mesma parte que, por Sua graça, escolheram para si mesmos; se, depois de tudo isto, os filhos crescem no mundanismo e fazendo sua própria vontade, que conclusão pode se tirar, senão que os pais faltaram e pecaram gravemente no exercício de sua relação e de sua responsabilidade, para prejuízo dos filhos e para a desonra do Senhor? Mas devem eles fazer um princípio geral do que não é mais que o resultado de sua infidelidade, e pronunciar que todos os filhos de cristãos devem crescer como os deles? Farão bem em desalentar aos pais jovens a que escolham o terreno de Deus relative a seus filhos, lhes propondo seus abomináveis fracassos, em vez de respirá-los a pôr ante eles a infalível fidelidade de Deus para todos aqueles que o buscam no caminho de Seus mandamentos? Atuar assim seria imitar ao velho profeta de Betel que, por achar-se ele mesmo no mal, procurou arrastar também seu irmão nele, contribuindo para que fosse morto por um leão por causa de sua desobediência à Palavra do Senhor (1.º Reis 13).

     Para resumir, a própria vontade de meus filhos revela a própria vontade de meu próprio coração, e um Deus justo se serve deles para castigar a mim, por quanto eu mesmo não me castiguei, não soube julgar a mim mesmo. Ver o assunto deste ângulo é particularmente solene, e demanda um profundo esquadrinhamento do coração. Para economizar desgostos, deixemos que o mal siga seu curso em nossa família, e agora meus filhos cresceram ao redor de mim e são como espinhos em meu flanco, porque não os eduquei para Deus. Tal é a história de milhares de famílias. Jamais deveríamos perder de vista o fato de que nossos filhos, assim como nós também, deveriam servir para “a defesa e confirmação do evangelho” (Filipenses 1:7).

Estou convencido de que, se só fôssemos levados a considerar nossas casas como um testemunho para Deus, isso produziria uma profunda reforma em nossa maneira de as governar. Procuraríamos então estabelecer uma ordem moral mais elevada, não com o propósito de nos evitar desgostos ou aborrecimentos, mas para que o testemunho não sofra a causa da desordem de nossas casas.

     Mas não esqueçamos que, para poder subjugar a natureza em nossos filhos, é mister primeiro subjugá-la em nós mesmos. Jamais poderemos vencer a carne mediante a carne. Só quando a tivermos quebrantado em nós mesmos, estaremos em condições de derrotá-la em nossos filhos.

A unidade dos maridos no governo do Lar

Para isso, também, faz falta uma perfeita inteligência e uma plena harmonia entre o pai e a mãe. A voz de ambos, sua vontade, sua influência, devem ser uma no mais estrito sentido do termo. Ao ser ambos “já não há mais dois, a não ser uma só carne”, deveriam sempre aparecer ante seus filhos na beleza e o poder desta unidade.

     Para alcansar este objetivo, os pais deveriam sempre esperar em Deus juntos, manterem-se muito em Sua presença, lhe abrir todo seu coração e lhe apresentar todas as suas necessidades. Os maridos e as mulheres faltam freqüentemente em seus deveres mútuos a este respeito. Acontece às vezes que um dos dois deseja realmente renunciar ao mundo e subjugar a carne em um grau ao qual o outro ainda não chegou ou para o qual não está preparado, e isto produz tristes resultados. Isto conduzirá freqüentemente à atuar ou falar em segredo, a trabalhar de forma manhosa ou evasiva, ao manejo e ao comando militar, a um positivo antagonismo nos critérios e princípios do marido e a mulher, de modo que não pode dizer-se deles que estejam unidos no Senhor. O efeito de tudo isto sobre as crianças que crescem, é altamente pernicioso, e sua funesta influência sobre toda a casa é incalculável. O que o pai manda, a mãe questiona; o que um proíbe, o outro o permite; o que o pai edifica, a mãe destrói. O pai é representado como rígido, severo, arbitrário e exigente. A influência materna atua independentemente da do pai e fora de seu âmbito; Às vezes até chega a pôr de lado completamente, de maneira que a posição do pai deve ser penosa em extremo, e toda a família apresenta um aspecto muito ímpio e desordenado[11]].  Isto é algo terrível. Os filhos jamais poderiam ser bem educados em tais circunstâncias; e  só o pensamento sobre isso, com relação ao testemunho para Cristo, é aterrador. Ali onde prevalece semelhante estado de coisas, deveria haver a mais profunda contrição de coração diante do Senhor a respeito deste tema. Sua misericórdia é inesgotável e suas tenras compaixões não faltam nunca; e se houver verdadeira contrição e uma sincera confissão, podemos esperar com total segurança que Deus intervirá em graça para sanar e restaurar.

     Uma coisa é certa: não deveríamos estar contentes de seguir nossa marcha em meio de semelhante desordem; portanto, todos aqueles que sentem aflição em seu coração, devem clamar com força ao Senhor dia e noite, clamar a Ele, fundados em sua verdade e em seu Nome, os que são blasfemados por tais pecados; e podem estar seguros de que Deus ouvirá e responderá. Mas que toda esta questão seja encarada à luz do testemunho para o Filho de Deus. Para este testemunho somos deixados aqui embaixo. Em efeito, não somos certamente deixados aqui só para educar á nossas famílias, e sim, mais para as educar para Deus, com Deus, Por Deus e diante Dele.

     Para alcançar este elevado objetivo, é mister estar muito na presença do Senhor. Um pai cristão deve ter muito cuidado de não castigar nem machucar a seus filhos meramente para satisfazer seus caprichos e seu mau humor do momento, como fazem os homens do mundo. O cristão deve representar a Deus em meio de sua família. Uma vez que isto se compreendeu adequadamente, tudo ficará em ordem. Ele é o administrador de Deus; por isso, para desempenhar correta e inteligentemente suas funções administrativas, deverá ter freqüentes relações ,ou melhor, relações ininterruptas, com seu Senhor. Deverá acudir continuamente aos pés deste Senhor, A fim de saber o que deve fazer e como o deve fazer. Desta maneira, tudo em sua administração se fará simples e fácil.

Algumas considerações finais

     frequentemente o coração queria ter uma regra geral para cada um dos diversos detalhes da administração doméstica. Alguém pode demandar, por exemplo, que tipo de castigos, que tipo de recompensas e que tipo de entretenimentos devesse adotar um pai cristão. Quanto aos castigos, acredito que serão raramente necessários, se os divinos princípios do governo e a educação dos filhos são postos em prática da mais tenra infância. Quanto às recompensas, parece-me que deveriam essencialmente consistir em expressões de amor e de aprovação. Uma criança deve ser obediente,irrestrita, e resolutamente obediente, não para obter uma recompensa, a qual é apta para nutrir e desenvolver o Brio que é um fruto da carne, mas sim porque Deus o quer assim. Logo, pois, parece-me naturalmente conveniente que os pais manifestem sua aprovação mediante algum pequeno presente.

     Quanto aos entretenimentos ou passatempos que desejamos procurar pra nossos filhos, que tenham sempre, no possível, o caráter de alguma ocupação útil. Isto é muito saudável para o espírito. Não é nada bom alimentar em uma criança a idéia de que os brinquedos de cores e as quinquilharias douradas lhe brindarão prazer. Vi Freqüentemente crianças muito pequenas que acharam um prazer muito mais real, e certamente muito mais simples, com um papel, um lápis ou com alguma outra coisa feita por si mesmos, que com os brinquedos mais caros. Enfim, para todas as coisas, castigos, recompensas ou jogos, fixemos os olhos em Jesus e procuremos veementemente subjugar a carne sob qualquer aparência ou forma em que se apresente. Então nossas casas serão um testemunho para Deus, e todos os que entrarem nelas se verão constrangidos a dizer: Deus está Aqui! (1.ª Coríntios 14:25).

     No que diz respeito ao governo do pessoal doméstico de uma casa cristã, o princípio é igualmente simples. O patrão, em sua qualidade de cabeça da casa, é a expressão do poder de Deus e, como tal, deve insistir na sujeição e a obediência. Aqui não se tem em conta o cristianismo dos domésticos ou criados, a não ser, simplesmente, a ordem que sempre tem que ser mantido em um lar cristão. Aqui também devemos nos guardar de dar rédea solta à nosso próprio caráter arbitrário. Devemos recordar que temos um Senhor nos céus que nos ensinou a fazer “o que é justo e eqüitativo com nossos servos” (Colossenses 4:1). Se só tivéssemos ao Senhor diante de nós cada dia, e procurássemos manifestar Ele em todos nossos entendimentos com nossos criados, seríamos guardados do engano em todo respeito.

     Devo agora concluir. Não escrevi, Deus sabe, com a intenção de ferir ninguém. Sinto com força a importância, a verdade e a profunda solenidade do tema que tratei, e, ao mesmo tempo, minha incapacidade para apresentá-lo com a suficiente clareza e eficácia. Entretanto, vou a Deus para que Ele faça valer os pontos aqui tratados; e, quando ele atua, o mais débil instrumento pode responder a Seu objetivo. A Ele encomendo agora estas páginas que, creio, foram iniciadas, continuadas e terminadas em Sua Santa presença. Um pensamento me confortou sobremaneira: no momento mesmo em que senti em minha consciência a necessidade de escrever este artigo, certo número de amados irmãos estavam congregados em uma reunião de humilhação, de confissão e de oração com motivo do testemunho rendido ao Filho de Deus nestes últimos dias. Não duvido de que um dos principais pontos da confissão se referiu ao fracasso no governo da família; e se estas páginas fossem utilizadas pelo Espírito de Deus para produzir, embora seja em uma só consciência, um sentimento mais profundo desta queda, e em um só coração, um mais sincero desejo de reparar esta brecha segundo os pensamentos de Deus, regozijarei-me ao ver que não tenho escrito em vão.

     Queira o Deus todo-poderoso, segundo as riquezas de sua graça, produzir, por seu Santo Espírito, no coração de todos seus amado, um mais ardente desejo de render, nesta última hora, um mais completo, resplandecente, vigoroso e decidido testemunho para Cristo, a fim de que, quando a voz do arcanjo e a trombeta de Deus ressonem, ache-se aqui embaixo um povo preparado para sair com gozo ao encontro do Noivo celestial!


NOTAS

[1] N. do A.— O leitor, espero, não se imaginará que com isto pretendo negar ou debilitar a necessidade da obra do Espírito Santo para a regeneração dos filhos de pais cristãos. Deus não o permita! “quem não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus”  (Jo 3:3). Esta é uma verdade que se aplica tanto a um filho de um cristão como a qualquer outra pessoa. A graça não é hereditária. O resumo do que quero dizer aos pais cristãos é que a Escrituras une inseparavelmente um homem com sua casa, e que o pai cristão pode ter a segurança de contar com Deus para seus filhos e que é responsável por educá-los para Deus. Como poderia negar-se esta verdade à luz de Efésios 6:4?

[2] N. do A.— Se dirá que não pode haver nenhuma analogia entre o traslado real de pessoas de um país a outro e a educação de nossos filhos. A isso respondo que a analogia só se aplica no princípio. É perfeitamente evidente que não podemos levar nossos filhos no sentido em que os israelitas levaram aos seus à Canaã. Deus somente pode fazer aptos para o céu os nossos filhos, implantando neles a vida de seu próprio Filho; e Ele somente pode levá-los ao céu em seu devido tempo. Mas então, embora não possamos fazer com que nossos filhos sejam aptos para o céu nem tampouco levá-los pra lá, podemos, pela fé, prepará-los para o céu; e isso não é só nosso dever (uma expressão pouco afortunada, fria e indigna), mas nosso elevado e santo previlégio. Em conseqüência, se os princípios sobre os quais educamos nossos filhos, assim como o objeto com o qual os educamos, são manifestamente mundanos, virtualmente, e tanto como dependa de nós, deixamo-los no mundo. E por outro lado, se nossos princípios e objeto são inequivocamente celestiais, então, no que de nós dependa, educamo-los para o céu. Isto, querido leitor, é tudo o que quer dizer no presente artigo quanto a deixar nossos filhos no Egito ou levá-los à Canaã. Somos responsáveis por educar nossos filhos, embora não podemos convertê-los, e Deus certamente terá que abençoar a fiel educação daqueles a quem Ele deu em sua graça.

[3] N. do T— ao longo da presente obra, o leitor observará que Freqüentemente aparece a palavra educação ou educar com relação aos filhos dos crentes. Este termo provém da palavra inglesa training, e seu significado adquire muitos matizes em português que não são abrangidos pelo simples vocábulo educação, e cujo repasse nos ajudará a ampliar o conceito. Training, em sua acepção mais genérica, significa aprendizagem, sobre toda à aprendizagem de artes ou ofícios, em um sentido bem mais prático que teórico. Também significa adestramento e treinamento, como quando a gente é adestrado para a guerra ou treinado para a prática de um esporte. Também se pode traduzir formação, fazendo referência, por exemplo, a uma formação vocacional ou profissional, aplicando-se à aprendizagem de uma arte ou ofício, ou seja, os ensinos que incluem prática e teoría. Training também pode converter-se em preparação, como quando alguém se prepara mediante exercícios para uma prova ou fim determinado; e, por último, training compreende os conceitos de educação, instrução e ensinamento (como quando falamos, por exemplo, de «instrução militar»), e pode referir-se a uma instrução formal (adquirida em uma instituição docente), como também à educação recebida pelas crianças no lar da parte de seus pais. Neste último sentido recai a ênfase do autor: à criança se educa ou se forma mediante «disciplina e instrução, e lhem ensinam a fim de fazê-los aptos, idôneo ou proficiente» (Webster). Pois bem, há uma «preparação» que os pais do mundo não podem dar a seus filhos, mas que o pôde fazer, por exemplo, a mãe de Timóteo. O apóstolo Paulo diz sobre Timóteo, “​e que, desde a infância, sabes as sagradas letras, que podem tornar-te sábio para a salvação pela fé em Cristo Jesus. 16 ​Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça, 17 ​a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra.
” (2.ª Timóteo 3:15-16; veja-se também 1:5).

[4] N. do A.— Devo dizer que é um grave engano o fato de que um pai cristão encomende a educação de seus filhos a pessoas não convertidas ou inclusive àqueles cujos corações não são um com ele quanto à separação do mundo. É natural que uma criança procure seguir o exemplo daquele que tem seu a cargo sua educação e cuidado. Mas o que pode um instrutor fazer de uma criança a não ser o que ele mesmo é? Aonde o pode conduzir além do lugar onde ele mesmo está? Que princípios pode inculcar, salvo aqueles que governam sua própria mente e constituem a base de seu próprio caráter? Pois bem, se vir um homem governado por princípios mundanos; se vir com clareza, por sua conduta e caráter, que o tal é uma pessoa não convertida, encomendaria-lhe a educação e a instrução de meus filhos ou a formação de seu caráter? Isso seria o cúmulo da insensatez e a inconseqüência. Um homem que desejasse fazer uma bala de forma ovalada, não poderia verter o metal fundido dentro de um molde circular.
     O mesmo princípio se aplica à leitura de livros. Um livro é decididamente um silencioso instrutor que exerce uma influência formativa na mente e no caráter; e se sou chamado a observar bem o caráter e os princípios do instrutor vivente, sou igualmente chamado a fazê-lo em relação aos do instrutor silencioso. Estou plenamente convencido de que no que diz respeito tanto aos livros como aos instrutores, precisamos ter nossas consciências acordadas e instruídas.

[5] N. do T.— Muitos se consolam do que são seus filhos hoje pela segurança de que cedo ou tarde terão que se converter. Mas isso não é assumir o terreno de Deus respeito deles agora. Se estivermos seguros de que nossos filhos estão enquadrados dentro do âmbito do propósito de Deus, por que não atuamos conforme a essa segurança? Se esperamos ver certas provas de conversão neles antes de atuar tal como a Escritura ordena, resulta claro então que estamos olhando fora da promessa de Deus. Isto não é fé. O pai cristão tem o privilégio de considerar seus filhos agora como aqueles que têm que ser educados para o Senhor. Tem o dever de assumir, pela fé, este terreno e de educar a seus filhos em conseqüência, esperando em Deus, com a mais absoluta segurança, pelo resultado. Se antes de atuar assim, espero ver frutos, isso não é fé. Além disso, surge a pergunta: O que são meus filhos agora? Pode ser que neste tempo estejam vagabundeando por aí, por dizê-lo assim, longe dos caminhos do Senhor, desonrando tristemente o nome e a verdade de Cristo. Bastará dizer a mim mesmo: «sei que mais tarde vão se converter»? Não; isto nunca teria que ocorrer. Meus filhos deveriam ser agora um testemunho para Deus; e isso não será possível a menos que escolha para eles, agora, o terreno de Deus e que ande com Ele no que se refere aos filhos.

[6] N. do A.— Um pai cristão pode perguntar: «O que devo ensinar a meu filho?» A resposta é muito singela: Terá que lhe ensinar aquelas coisas que resultem úteis para o serviço de Cristo. Não lhe ensinemos nada que saibamos que vá ser uma positiva fonte de contaminação ou de debilidade para ele. São estranhas as vezes que não sabemos que tipo de mantimentos temos que dar a nossos meninos. Por geral sabemos perfeitamente o que será bom e nutritivo para eles e as coisas que não lhes cairão bem. Pois bem, se os instintos da nova natureza em nós fossem tão enérgicos e reais como os da velha natureza, não vacilaríamos mais. Disso estou persuadido, para decidir em relação às coisas que devemos ensinar a nossos filhos. Com referência a isto, assim como a todas as demais coisas, pode dizer-se que “se seu olho for bom, todo seu corpo estará cheio de luz” (Mateus 6:22; V.M.). Se tivéssemos um sentimento profundo da glória de Cristo, e um sincero desejo de promovê-la, não seríamos deixados em perplexidade; mas se nosso corpo não estiver “cheio de luz”, estejamos seguros de que nosso “olho” não é “bom”.

[7] N. do A.— Quisesse, não obstante, recordar aos filhos de pais cristãos que eles mesmos têm a solene responsabilidade de prestar ouvidos à Santa Palavra de Deus, independentemente da conduta de seus pais. A verdade de Deus não se vê afetada pelos atos dos homens; e em qualquer lugar que alguém tenha ouvido o testemunho do amor de Deus, na morte e ressurreição de Cristo, é responsável por acreditar nele, mesmo que não tenha visto seu poder e sagrada influência manifestados na vida de seus pais. Queria chamar seriamente a atenção de todos os filhos de pais cristãos a respeito destes  fatos.

[8] N. do A.— A exortação dirigida aos pais subsiste entretanto: “E vós, pais, não provoqueis vossos filhos à ira, mas criai-os na disciplina e na admoestação do Senhor” (Efésios 6:4). Há um grande perigo em provocar à ira nossos filhos por um excessivo rigor e por entendimentos arbitrários. Podemos estar sempre tratando de formar e moldar nossos meninos conforme nossos próprios gostos e particularidades, quando devemos educá-los “em disciplina e admoestação do Senhor”, ou seja, segundo a maneira que o Senhor corrige e ensina seus filhos. Isso é um grave engano, que certamente terminará em confusão e fracasso. Não ganharemos nada, em relação ao testemunho para Cristo, moldando e adaptando a natureza humana sob as formas mais deliciosas. Além disso, a cultura e a instrução da natureza humana não requerem fé; mas se necessita de fé para educar as crianças em disciplina e admoestação do Senhor.
     Pode ser que alguém diga que o apóstolo, nesta passagem, refere-se às crianças convertidas. Respondo que nada se diz aqui a respeito de conversão. Não está escrito: «Criem seus filhos convertidos...», etc., o qual, se fosse assim, resolveria a questão. Mas se diz simplesmente “seus filhos,” que certamente quer dizer todos os vossos filhos. Pois bem, se eu devo educar a todos os meus filhos em disciplina e admoestação do Senhor, quando devo começar a fazê-lo? Devo esperar que cresçam e que quase sejam homens ou mulheres, ou devo começar, como toda gente razoável começa sua obra, desde o princípio? Permitiria que ficassem livres à sua loucura e desatinos naturais durante o período mais importante de sua carreira, sem jamais tentar pôr sua consciência na presença de Deus, quanto a suas solenes responsabilidades? Deixaria-lhes esbanjar, em uma total insensatez, esse período da vida no qual se produzem os elementos de seu futuro caráter? Isso seria o cúmulo da crueldade. O que diríamos de um jardineiro que permitisse que os ramos de suas árvores frutíferas tomassem todo tipo de formas torcidas e extravagantes, antes de ter a idéia de começar a empregar métodos próprios para endireitá-los? Pontuaríamo-lo certamente de louco e insensato. Entretanto, seria sábio em comparação com pais que postergariam a disciplina e admoestação do Senhor até o tempo em que seus filhos tenham feito manifestos progressos na disciplina e admoestação do inimigo. 
     Mas pode ser que se diga ainda que devemos esperar provas de conversão. À isto respondo que a fé nunca espera provas, mas, sim, ela atua conforme à Palavra de Deus, e que as provas seguirão indefectivelmente. É sempre uma manifesta prova de incredulidade o esperar sinais quando Deus deu um mandamento. Se os filhos de Israel tivessem esperado um sinal quando Deus disse: “Que partam”, isso teria sido uma clara desobediência. Se o homem da mão seca tivesse esperado que alguma força se manifestasse nele quando Jesus lhe mandou estender a mão, teria levado sua mão seca até a tumba com ele. O mesmo pode se dizer dos pais. Se eles esperarem sinais e provas antes de obedecer a Palavra de Deus em Efésios 6:4, é certo que não andam por fé, mas sim por vista. Além disso, se tivermos que começar desde o começo a educar nossos filhos, resulta evidente que devemos começar antes de que eles sejam capazes de oferecer alguma prova de conversão.
Nisto, como em todas as coisas, nossa ocupação é obedecer, e deixar nas mãos de Deus os resultados. O estado moral da alma pode ser posto a prova pelo mandamento; mas quando estamos dispostos a obedecer, o poder para fazê-lo acompanhará certamente ao mandamento, e os frutos da obediência seguirão “A seu tempo... se não deprimir”.

[9] N. do A.— Era a natureza, em Barnabé, o que o levava a desejar a companhia daquele “que se apartou deles desde a Panfília, e não tinha ido com eles à obra” (Atos 15:38). Era uma natureza amável, mas era a natureza apesar de tudo, e ela triunfa em Barnabé, pois ele tomou a Marcos consigo e navegou à Chipre, a terra natal de Barnabé, onde, no tempo do primeiro amor, tinha vendido sua propriedade a fim de poder seguir mais livremente àquele que não teve nenhum lugar onde repousar sua cabeça (veja Atos 4:36-37). Este não é um caso nada estranho. Muitos manifestam ter renunciado às coisas da terra e a natureza e a todas as suas respectivas reclamações. As flores da árvore da confissão cristã, na primavera se vêem belas e abundantes, e exalam um grato perfume; mas ai, quão pouco, freqüentemente, vêem-se os frutos abundantes e saborosos no outono! A influência dos laços naturais e terrenas se fazem sentir com força na alma e cortam suas formosas flores, e tudo termina, não nesses frutos esperados, a não ser em esterilidade e frustração. Isto é algo muito triste e do pior efeito moral sobre o testemunho. Não se trata aqui absolutamente de deixar de ser uma pessoa salva. Barnabé era salvo, sem dúvida. A influência que exerciam sobre ele tanto Marcos como Chipre,sua pátria natal, não podia apagar seu nome do livro da vida do Cordeiro, mas apagaram seu nome do registro do testemunho e do serviço aqui embaixo. E não era isto algo que lamentar? Acaso a única coisa que devemos deplorar é a perda da salvação pessoal? Não temos nada que temer exceto isso? Desprezível em extremo é o egoísmo que nos faz pensar assim. Com que propósito o Deus bendito sofre tantas penas e aflições para conservar a sua Igreja aqui embaixo? Para que os crentes sejam salvos e preparados para a glória? De maneira nenhuma. Eles já são salvos pela perfeita redenção de Cristo e, por conseguinte, preparados para a glória. Não há nenhum passo intermédio entre a justificação e a glória, pois “Aos que justificou, a estes também glorificou” (Romanos 8:30). Porque, pois, Deus nos deixa aqui embaixo? Para que sejamos um testemunho para Cristo. Se esse não for o fim, poderíamos também, simplesmente sermos elevados aos céus imediatamente depois de nossa conversão. Tomara que nos seja dada a graça para compreender esta verdade em toda sua plenitude e força prática!

[10] N. do A.— As epístolas de Pedro desenvolvem a doutrina do governo moral de Deus. É ali onde achamos esta pergunta: “​Ora, quem é que vos há de maltratar, se fordes zelosos do que é bom?” (1.ª Pedro 3:13). Alguns acham difícil conciliar esta pergunta com a declaração de Paulo: “Todos os que querem viver piedosamente em Cristo Jesus padecerão perseguição” (2.ª Timóteo 3:12). Excusado será dizer que as duas idéias estão em uma formosa e perfeita harmonia. O Senhor Jesus mesmo, quem foi o único perfeito e constante seguidor do bem, Aquele que, desde o começo até o fim de sua carreira aqui embaixo, “andou fazendo o bem”, achou finalmente a cruz, a lança e o sepulcro. O apóstolo Paulo, quem, mais que nenhum outro homem, seguiu muito de perto a esse grande Modelo que estava continuamente diante dele, foi chamado a beber uma taça incomumemte copiosa de privações e perseguições. E nestes dias, quanto mais um santo se assemelhe a Cristo e mais devoto seja a Ele, mais terá que suportar privações e perseguições. Se alguém, impulsionado por uma verdadeira devoção a Cristo e por amor às almas, se estabelecesse publicamente em um território católico romano, e pregasse ali a Cristo, sua vida se veria exposta a um iminente perigo. Acaso todos estes fatos estão em oposição com a pergunta de Pedro? De maneira nenhuma. A tendência direta do governo moral de Deus é proteger de maus a todos aqueles que “seguem o bem”, e infringir castigos a todos aqueles que fazem o contrário; mas jamais está em conflito com o caminho mais elevado do discipulado ardente, nem tampouco priva a ninguém do privilégio e a honra de ser tão semelhante a Cristo como se deseje, “​Porque vos foi concedida a graça de padecerdes por Cristo e não somente de crerdes nele, 30 ​pois tendes o mesmo combate que vistes em mim e, ainda agora, ouvis que é o meu” (Filipenses 1:29-30). Aqui nos ensina que é um verdadeiro dom que nos é conferido, o ser chamados padecer por Cristo, e isso em meio de uma cena na qual, sobre a base do governo moral de Deus, pode dizer-se: “Quem é aquele que lhes poderá fazer mal, se vós seguirem o bem?”. Reconhecer o governo de Deus e nos submeter a ele, é uma coisa; ser seguidores ou imitadores de um Cristo rechaçado e crucificado, é outra totalmente distinta. Até nesta epístola de Pedro que, como o temos feito notar, tem por tema especial a doutrina do governo de Deus, lemos: “Se, entretanto, quando praticais o bem, sois igualmente afligidos e o suportais com paciência, isto é grato a Deus. 21 ​Porquanto para isto mesmo fostes chamados, pois que também Cristo sofreu em vosso lugar, deixando-vos exemplo para seguirdes os seus passos” (cap. 2:20-21). E também: “Se alguém padece como cristão [ou seja, por ser moralmente semelhante a Cristo], não se envergonhe, mas glorifique a Deus por isso” (cap. 4:16).

[11] N. do A.— Nada é mais doloroso que ouvir uma mãe dizer a seu filho: «Seu pai não deve saber tal ou qual coisa.» Ali onde regem estas práticas de atuar em segredo, ou dissimulação, e com dobra, deve haver algo radicalmente mau, e é moralmente impossível obter que prevaleça algo que se assemelhe à ordem piedosa ou ao exercício de uma reta disciplina. Ou o pai, por uma severidade desordenada ou um excessivo rigor, deve  “provocar a ira a seus filhos”, ou a mãe deve consentir a vontade própria de seu filho às costas do caráter e da autoridade do pai. Em qualquer dos casos, há uma positiva barreira ao testemunho, que termina provocando graves danos aos filhos. Os pais cristãos deveriam, pois, velar com cuidado para aparecer sempre, diante de seus filhos e de seus domésticos, no poder dessa unidade que surge como resultado de sua perfeita união no Senhor. E se, por desgraça, surgisse algum matiz de diferença com respeito a tal ou qual ponto do governo doméstico, que o conversem sobre privado, com oração e julgamento próprio, na presença de Deus; mas nunca suas divergências de opinião devem ficar expostas à vista daqueles que são objetos do governo, pois isso manifestaria uma debilidade moral tal que faria que estes últimos menosprezem seu governo.


Irmãos em Cristo Jesus.

Irmãos em Cristo Jesus.
Mt 5:14 "Vós sois a luz do mundo"