sábado, 6 de setembro de 2008

Paralelos Bíblicos (Parte II) T.J Blackman


I Pedro e os patriarcas



Dizem que debaixo da superfície nos oceanos encontram-se correntezas totalmente distintas, às vezes seguindo direções opostas. A palavra de Deus é semelhante. Sempre há aquele significado óbvio na superfície, mas uma pesquisa mais profunda revela outras linhas da verdade, às vezes de natureza bem diferente umas das outras.
As epístolas de Pedro são exemplos notáveis disso, estando saturadas com a linguagem e as imagens do Velho Testamento. Uma das linhas da verdade é mencionada por J. N. Darby em seus “Estudos”, onde observa que I e II Pedro são baseadas respectivamente em Mateus capítulos 16 e 17. Pensando só em I Pedro, seria muito proveitoso fazer a comparação com a festa da Páscoa e a subseqüente festa dos pães ázimos (Êxodo 12), que levaria ao estabelecimento de Israel como “reino de sacerdotes” (Êxodo 19), enquanto ainda eram um povo peregrino no deserto.
Porém, neste artigo gostaríamos de sugerir um paralelo que talvez o prezado leitor não tenha percebido. Nossa sugestão é que, ao escrever sua primeira epístola, Pedro tinha em mente os três grandes patriarcas — Abraão, Isaque e Jacó. Esta idéia não parece tão estranha quando nos lembramos que cada um destes três homens tinha o caráter de peregrino, o qual deve ser uma característica de todo cristão, como Pedro deixa muito claro.

Abraão — peregrino e sacerdote (I Pe 1:1 — 2:17)

Encontramos várias características de Abraão nesta primeira parte da epístola. Podemos observar paralelos com seu chamamento (1:15 — Gn 12:1), sua fé (1:8-9 — Gn 15:6), suas provações (1:7 — Gn 22:1), sua obediência (1:14 — Gn 12:4), seu temor de Deus (1:17 — Gn 22:12), e seu amor fraternal (1:22 — Gn 13:8; 14:14). Mas o paralelo mais notável entre Abraão e I Pedro é a ligação entre sacerdócio e peregrinação. Assim que Abraão chegou na terra prometida fez duas coisas decisivas: armou sua tenda (peregrino), e edificou seu altar (sacerdote).

O peregrino

Embora herdeiro da terra, pela promessa de Deus, Abraão nunca possuiu nenhuma parte dela, a não ser um lugar de sepultura. Portanto, não tendo onde edificar casa, armou sua tenda. Pela fé ele esperava o dia quando sua descendência finalmente possuiria toda a terra da promessa, e também olhou além das possessões terrestres e esperava “a cidade que tem fundamentos, da qual o artífice e construtor é Deus” (Hb 11:10).
Em Abraão temos um lindo quadro do caráter do verdadeiro peregrino. Enquanto seria futuramente o possuidor da terra prometida, não fez nenhuma tentativa de tomar posse dela, mas simplesmente passava de lugar em lugar, e dizia aos habitantes da terra: “estrangeiro e peregrino sou entre vós” (Gn 23:4). Contudo, ao mesmo tempo Abraão sempre se esforçava em manter um testemunho piedoso entre eles, de sorte que expressavam apreciação de sua dignidade piedosa, dizendo: “príncipe poderoso és no meio de nós” (Gn 23:6).
I Pedro dá ênfase à necessidade de haver características semelhantes no cristão. Em I Pe 2:11-17 o apóstolo, começando com as palavras: “Amados, peço-vos, como a peregrinos e forasteiros …”, indica que o caráter do peregrino começa com os desejos do coração: “… que vos abstenhais das concupiscências carnais que combatem contra a alma” (v. 11); então mostra que o caráter do peregrino determina a sua maneira de viver (v. 12), suas atitudes para com autoridade (vs. 13-14), e exige boas obras e sinceridade perante todos (vs. 15-16); finalmente, resumindo tudo, diz: “Honrai a todos. Amai a fraternidade. Temei a Deus. Honrai ao rei” (v. 17).

O sacerdote

Enquanto estava em comunhão com Deus, Abraão edificava seu altar e invocava o nome do Senhor. Porém, observe a interrupção dessa comunhão que ocorre entre Gn 12:10 e 13:4. O lugar de oração e louvor baseados em sacrifício (representado pelo altar) não é somente o único lugar para começar e o único lugar para continuar, mas também é o único lugar onde o desviado pode voltar para novamente desfrutar comunhão com Deus. O caráter de Abraão como sacerdote se vê, não só em oferecer sacrifícios ao Senhor, mas também em invocação (12:8), intercessão (18:23-32; 20:17), e instrução (18:19).
I Pedro cap. 2 traz ensinamentos sobre o sacerdócio no período do Novo Testamento, o qual é privilégio de todos os crentes. Em Jo 10:9 o Senhor Jesus afirma: “Eu sou a porta; se alguém entrar por Mim, salvar-se-á, e entrará, e sairá, e achará pastagens”. Um aspecto dessa liberdade, de entrar e sair por meio do Senhor Jesus, se vê na descrição dupla do nosso sacerdócio como “santo” e “real” (I Pe 2:5, 9). Como sacerdócio santo devemos “oferecer sacrifícios espirituais agradáveis a Deus por Jesus Cristo”, indicando assim a nossa entrada na presença de Deus. Como sacerdócio real devemos, como um povo distinto e santificado, anunciar as virtudes (ou, excelências) dAquele que nos chamou, indicando assim a saída para dar testemunho.
Portanto, em Abraão temos uma pessoa que, enquanto suportava as aflições e provações do peregrino, podia desfrutar os privilégios e experiências espirituais do sacerdote. Que possamos sempre, pela graça de Deus, seguir este exemplo em nossa vida cristã, como Pedro nos exorta.

Isaque — peregrino e perseguido (I Pe 2:18 — 4:19)

Na próxima seção da primeira epístola de Pedro, como também na experiência de Isaque, há muito mais ênfase nas provações do peregrino. Ainda que as provações são mencionadas na primeira parte (1:6-7), agora vemos que a causa delas era perseguição. Perseguições eram a porção de Isaque, mesmo desde a sua meninice. Em Gn 21:9 Ismael, seu meio-irmão, é visto zombando dele, que é interpretado em Gl 4:29 como perseguição. Vemos com isto que a perseguição nem sempre envolve violência física.
Em Gênesis 26 vemos Isaque sofrendo hostilidade repetidas vezes das mãos dos filisteus. Cada vez que tentava reabrir os poços que seu pai tinha cavado, seus perseguidores os entulhavam e os enchiam de terra de novo. Isaque sentiu o ódio deles (v. 27) e deu nomes aos poços que refletiam isso, mas é muito agradável ver a mansidão com que ele suportava os ataques e tratava com seus inimigos (26:26-31). Este peregrino também sentiu oposição de dentro da própria família dele, em especial porque as esposas de Esaú, filhas de heteus, eram “uma amargura de espírito” para Isaque e Rebeca (26:34-35).
O assunto de perseguição ocorre vez após vez na segunda parte de I Pedro (2:18 — 4:19). Não podemos dar uma exposição detalhada disso agora, mas apresentamos um esboço desse ensino:

• Em 2:18-25 temos o exemplo dos sofrimentos de Cristo;
• Em 3:1 — 4:11 temos a eficácia do testemunho do cristão perseguido;
• Em 4:12-19 temos a expectativa de glória para animar o cristão perseguido.

Como peregrino, Isaque era caracterizado pelo temor do Senhor. Em Gn 31:42, 53, Jacó refere-se a Deus como “o temor de Isaque”, sugerindo assim que reverência era a característica mais destacada de seu pai. É interessante observar as três referências ao temor do Senhor que se encontram nesta seção de I Pedro, e considerar o significado delas em relação à perseguição. Em I Pedro 2:18, é o caso dos escravos cristãos: “sujeitai-vos com todo o temor aos senhores, não somente aos bons e humanos, mas também aos maus”. É claro, em vista do versículo anterior, que aqui “todo o temor” se refere ao temor de Deus. Em 3:2, é o caso de uma crente casada com descrente, e que este poderia ser ganho pela “vida casta, em temor” de sua esposa. Em 3:15, junto com mansidão, o temor reverencial sempre deve acompanhar o testemunho dos cristãos ao apresentarem a razão da esperança que há neles.

Jacó — peregrino e pastor (I Pe 5)

Jacó também é um bom exemplo da vida do peregrino (a que ele mesmo se refere em Gn 47:9, quando chegava ao fim da sua peregrinação). Porém, ele era notável também como pastor. Resistência, abnegação, e habilidade são as qualidades que percebemos neste verdadeiro tipo do Bom Pastor, mesmo quando o rebanho não era de sua propriedade. Veja o que ele diz a Labão, depois de vinte anos cuidando do rebanho dele: “Estes vinte anos eu estive contigo; as tuas ovelhas e as tuas cabras nunca abortaram, e não comi os carneiros do teu rebanho. Não te trouxe eu o despedaçado; eu o pagava; o furtado de dia e o furtado de noite da minha mão o requerias. Estava eu assim: de dia me consumia o calor, e de noite a geada; e o meu sono fugiu dos meus olhos” (Gn 31:38-40).
É fácil ver como Pedro tinha em mente qualidades semelhantes em sua exortação aos presbíteros no cap. 5: “Apascentai o rebanho de Deus, que está entre vós, tendo cuidado dele, não por força, mas voluntariamente; nem por torpe ganância, mas de ânimo pronto; Nem como tendo domínio sobre a herança de Deus, mas servindo de exemplo ao rebanho” (I Pe 5:2-3). O fardo pesado de responsabilidade que os fiéis presbíteros suportam, logo há de ficar eclipsado pela grandeza do seu galardão, pois “quando aparecer o Sumo Pastor, alcançareis a incorruptível coroa da glória” (v. 4).
Como é apropriado que o Espírito de inspiração levasse Pedro, apóstolo principal desta era da igreja, a basear seus pensamentos nas vidas e características dos três grandes patriarcas de Israel, ao escrever sua primeira carta! Quanto à segunda epístola — talvez o amado leitor gostaria de considerar José, Moisés e Josué, como a continuação da mesma seqüência, em relação aos três capítulos dessa carta.

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Irmãos em Cristo Jesus.

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