Talvez mais um paralelo notável entre o Novo e o Velho Testamento seja suficiente para encorajar o leitor piedoso a procurar ainda outras evidências semelhantes da autoria divina das Escrituras.
À primeira vista, é possível que este paralelo pareça um tanto improvável, porém há um assunto muito importante que forma uma ligação clara entre os dois trechos. O Templo do Senhor era de grande interesse, não somente para Davi e Salomão, mas também para os reis subseqüentes da linhagem de Davi. Semelhantemente, a igreja como habitação de Deus é um dos grandes aspectos da verdade que a Epístola aos Efésios apresenta.
Vamos observar, então, algumas comparações entre os ensinamentos majestosos desta Epístola e os primeiros cinco reis da linhagem de Davi, a saber, Davi, Salomão, Roboão, Abias, e Asa.
Davi e Efésios 1: projetos e preparativos
O nome de Davi
Mais uma evidência da ligação de Efésios com Davi se encontra no nome dado ao grande Filho de Davi em Efésios 1:6: “o Amado”. Este é, de fato, o significado do nome Davi. Quando Deus não cortou aqueles descendentes de Davi que caíram em pecado, lemos que foi “por amor de Davi … levantando a seu filho depois dele, e confirmando Jerusalém” (veja I Rs 15:4). Quanto mais os eleitos de Deus são aceitos como objetos de Seu favor e como aqueles que Deus fez agradáveis a Si no Amado. “Fez agradáveis” é a mesma palavra que o anjo Gabriel usou com respeito a Maria, em Lc 1:28: “agraciada”, ou “muito favorecida” (ARA).
Davi também era amado de seu povo (I Sm 18:16; II Sm 5:1), e até mesmo de gentios como Hirão, rei de Tiro (I Rs 5:1). Porém, às vezes ele precisava dizer: “Em recompensa de meu amor são meus adversários” (Sl 109:4). Para Paulo, amor para com o Senhor e para com o Seu povo era o sinal da genuinidade dos santos em Éfeso, e isso o levou a orar para que pudessem desfrutar tudo que Deus lhes deu em Cristo (Ef 1:15-23).
O desejo de Davi
Davi teve em seu coração o propósito de edificar uma casa para o Deus de Israel, mas a casa de Deus não poderia ser edificada por alguém que fora homem de guerra, e cujas mãos derramaram muito sangue (veja I Cr 28:3). Alguns teriam entendido isso como uma rejeição, e teriam ficado amargurados contra o Senhor. Mas Davi não. Mesmo se não pudesse edificar o Templo, ele se encarregaria de todos os preparativos necessários para a construção. De fato, descobrimos em I Cr 28:11-18 que a “planta”, tanto da construção como para o ministério do Templo, foi confiada a Davi, como ele afirma: “Tudo isto … fez-me entender o Senhor, por escrito da Sua mão, a saber, todas as obras desta planta” (v. 19).
Os preparativos de Davi
Em Efésios 1 temos a planta e os preparativos de Deus para Sua habitação, a Igreja. O grande desejo de Davi, como homem conforme o coração de Deus (At 13:22), era executar toda a vontade dEle. Em Efésios 1 vemos o cumprimento do beneplácito da vontade de Deus na manifestação de Sua graça maravilhosa em nosso favor, em Cristo (vs. 5, 9, 11). A sabedoria de Davi é mencionada muitas vezes, tanto durante sua rejeição (I Sm 18:5, 14, 15, 30) como no trono (Sl 101:2), mas a sua sabedoria é um reflexo muito pálido daquela sabedoria e prudência divina que trouxe para nós “as riquezas da Sua graça” (Ef 1:7-8).
Há também a abundante provisão de Davi, descrita em I Cr 28, de ouro, prata e outros materiais para a construção e embelezamento do Templo. Quanto mais Deus nos fez abundar, não somente em todas as bênçãos espirituais (v. 3), e em toda a sabedoria e prudência (v. 8), mas também na “sobreexcelente grandeza de Seu poder” para conosco (v. 19), demonstrado na morte (v. 7), na ressurreição e na glorificação (v. 20) de Seu Filho, que “cumpre tudo em todos” (v. 23).
Salomão e Efésios 2-3: construção e inauguração
Os nomes de Salomão
É interessante observar que Salomão tinha dois nomes, ambos dados por Deus. Somos informados que, na ocasião de seu nascimento, “o Senhor o amou” (veja II Sm 12:24-25), e enviou o profeta Natã para dar-lhe o nome Jedidias (“amado por Jeová”). Todavia, Davi chamou-o Salomão, e descobrimos em I Cr 22:9 que Deus lhe tinha dado este nome antes do seu nascimento. Sem dúvida Deus sabia muito bem que mais tarde Salomão cometeria alguns erros bem graves, mas mesmo assim, em graça soberana, Ele deu-lhe estes nomes maravilhosos, antes dele ter feito bem ou mal.
Assim, no início de Efésios 2 vemos que, embora estávamos mortos em ofensas e pecados, dominados por Satanás e merecedores da ira, Deus tem sido riquíssimo em misericórdia para conosco e nos salvou pela Sua graça, por causa do “Seu muito amor com que nos amou” (v. 4), e tudo isso para mostrar em séculos vindouros “a Sua benignidade para conosco em Cristo Jesus” (v. 7).
Ao descobrir que o nome Salomão quer dizer “pacífico”, percebemos com ainda mais clareza o paralelo com Efésios capítulo 2, onde lemos do Senhor Jesus: “Ele é a nossa paz” (v. 14). Em primeiro lugar, a cruz de Cristo remove a inimizade entre judeu e gentio, quando ambos se aproximam dEle como pecadores culpados (vs. 14-15). Então Ele reconciliou ambos com Deus pela cruz (v. 16), assim declarando alegres notícias de paz “a vós que estáveis longe, e aos que estavam perto” (v. 17).
O Templo de Salomão
Quando o desejo de Davi de edificar a casa de Deus foi recusado, Deus prometeu que um dos seus filhos seria o construtor do Templo (II Sm 7:12-13), e entre os muitos filhos dele, logo tornou-se claro que Salomão teria esse privilégio (II Cr 28:5), embora estas predições somente terão seu pleno cumprimento no único de quem poderia ser dito: “Eu Lhe serei por Pai, e Ele Me será por Filho” (veja I Cr 17:13 e Hb 1:5).
Outro fato interessante que devemos notar é que, antes do início da construção do templo, Salomão conseguiu o auxílio de Hirão, rei de Tiro, para organizar o fornecimento de madeira (I Rs 5). Também, quando a obra começou, Salomão mandou trazer de Tiro um homem, também chamado Hirão, que era “filho de uma mulher viúva, da tribo de Naftali, e fora seu pai um homem de Tiro” (I Rs 7:13-14). Este homem era “cheio de sabedoria, e de entendimento, e de ciência, para fazer toda a obra de cobre”. Assim, mesmo na construção do tipo, os gentios participaram junto com o povo de Israel.
Portanto, não nos surpreende ver que em Efésios 2, depois de mostrar como judeus e gentios são reconciliados uns com os outros e com Deus pela cruz de Cristo, Paulo afirma também que ambos têm acesso ao Pai, por meio do Senhor Jesus, no poder do Espírito Santo (v. 18). Observe também nesse respeito, que as principais obras de Hirão, em I Reis 7, são as colunas (da entrada do santuário), e o mar de fundição (para a purificação dos sacerdotes), que são todos figuras da nossa aproximação de Deus.
Então, dirigindo-se aos crentes gentios, Paulo escreve: “Assim que já não sois estrangeiros, nem forasteiros, mas concidadãos dos santos, e da família de Deus; edificados sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas, de que Jesus Cristo é a principal pedra da esquina; no qual todo o edifício, bem ajustado, cresce para templo santo no Senhor. No qual também vós juntamente sois edificados para morada de Deus em Espírito” (Ef 2:19-22).
Assim, não somente somos trazidos para perto de Deus no Espírito, mas também coletivamente nos tornamos a Sua habitação no Espírito. Salomão realmente não tinha a expectativa de que Deus (a quem os céus, e até os céus dos céus não poderiam conter) habitaria em seu Templo. Quanto à Igreja, porém, ela é o Templo vivo em que Deus realmente habita.
A sabedoria de Salomão
Em Efésios cap. 3, Paulo, como Salomão, podia falar da sabedoria que Deus lhe deu. Realmente a sabedoria de Salomão atingiu seu auge na realização da construção do Templo e no resultante louvor unido, quando “todos os filhos de Israel, vendo descer o fogo, e a glória do Senhor sobre a casa, encurvaram-se com o rosto em terra sobre o pavimento, e adoraram e louvaram ao Senhor, dizendo: Porque Ele é bom, porque a Sua benignidade dura para sempre” (II Cr 7:3). Tal é o resultado também da sabedoria e força que Paulo pediu em favor de “todos os santos” na oração que encerra Efésios cap. 3: “A esse glória na igreja, por Jesus Cristo, em todas as gerações, para todo o sempre. Amém” (Ef 3:21).
Infelizmente, em outras áreas a sabedoria de Salomão nunca atingiu seu potencial, pois ele deu às mulheres a sua força, e seus caminhos ao que destrói os reis (veja Pv 31:3). Ele se esqueceu daquela sabedoria eterna que diz: “Meu é o conselho e a verdadeira sabedoria; eu sou o entendimento; minha é a fortaleza” (Pv 8:14). Sem dúvida, foi com coração contrito que Salomão escreveu mais tarde: “Melhor é a sabedoria do que as armas de guerra, mas um só pecador destrói muitas coisas boas” (Ec 9:18, ARA).
Que a petição de Paulo seja sempre o nosso desejo: “Para que, segundo as riquezas da Sua glória, [o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo] vos conceda que sejais corroborados com poder pelo Seu Espírito no homem interior; para que Cristo habite pela fé nos vossos corações; a fim de, estando arraigados e fundados em amor, poderdes perfeitamente compreender, com todos os santos, qual seja a largura, e o comprimento, e a altura, e a profundidade, e conhecer o amor de Cristo, que excede todo o entendimento, para que sejais cheios de toda a plenitude de Deus” (Ef 3:16-19). Observe a ligação entre poder, sabedoria e louvor: poder, para estarmos arraigados e fundados no amor de Cristo (3:16-17); sabedoria, para compreender o incompreensível amor de Cristo (3:18-19); e louvor, para dar a Ele toda a glória (3:20-21).
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