sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

A experiência dos crentes anímicos- Watchman Nee

A vida dos crentes anímicos

Inevitavelmente, a alma varia de uma pessoa para outra. Não pode ser estereotipada. Cada um de nós tem uma individualidade particular, algo único, que se estenderá por toda a eternidade. Não é destruída quando tem lugar a regeneração. De outro modo, na eternidade, a vida seria completamente monótona! Bem, como há variação nas almas dos homens, naturalmente deduz-se que a vida dos cristãos anímicos igualmente variará de pessoa a pessoa. Conseqüentemente, podemos falar aqui só em termos gerais, e meramente apresentaremos os traços mais proeminentes com os quais, basicamente, os filhos de Deus podem comparar suas próprias experiências.
Os cristãos anímicos são excepcionalmente curiosos. Por exemplo, pelo mero desejo de conhecer o que lhes reserva o futuro, tratam de satisfazer sua curiosidade e estudam conscientemente as profecias da Bíblia.
Os cristãos carnais têm tendência a mostrar suas diferenças e superioridades no vestir, no seu modo de falar e em seus atos. Desejam causar impressão nas pessoas para que sejam reconhecidas todas suas obras.
Naturalmente, essa tendência pode já ter existido neles antes da conversão; mas acham muito difícil vencer esta propensão natural, depois. Ao contrário dos cristãos espirituais, que procuram não tanto a explicação como a experiência de ser um com Deus, esses crentes procuram diligentemente uma compreensão na mente. Gostam de discutir e raciocinar. O fracasso em fazer com que seus ideais se transformem em realidade não é o que os preocupa; é sua incapacidade para compreender esta falta de experiência espiritual que os perturba! Assumem que conhecer mentalmente é possuir na experiência. Isto é um grande engano.
Muitos crentes anímicos adotam uma atitude de justiça própria, embora freqüentemente seja difícil perceber. Aferram-se tenazmente às mínimas opiniões. Sem dúvida, é correto manter as doutrinas básicas e essenciais da Bíblia, mas certamente podemos nos permitir conceder certa margem de tolerância em questões menores. Podemos ter a convicção de que o que acreditamos é verdade absoluta; porém, se engolirmos o camelo mas tentarmos peneirar o mosquito, isso absolutamente não agradará a Deus. Deveríamos pôr de lado as diferenças pequenas e prosseguir para o objetivo comum.
Às vezes, a mente dos cristãos anímicos é assaltada pelo espírito maligno; daí seu pensamento se torna confuso, misturado e, às vezes, poluído. Em suas conversas, freqüentemente respondem o que não lhes foi perguntado; sua mente se embota; trocam o tópico da discussão com freqüência, demonstrando o quanto seus pensamentos estão dispersos. Mesmo que orem e leiam a Bíblia, sua mente se perde na lonjura. Embora estes cristãos geralmente atuem de forma que raramente põem em ordem seu pensamento sobre alguma coisa com antecipação, podem dizer aos outros que sempre operam sobre princípios e que consideram cuidadosamente cada ação, inclusive citando alguns incidentes de suas vidas para corroborar suas pretensões. Embora pareça estranho, de vez em quando pensam três e até dez vezes antes de executar um ato. Suas ações são verdadeiramente imprevisíveis.
Os crentes carnais são facilmente mutáveis. Há ocasiões em que estão extremamente entusiasmados e contentes; em outras, abatidos e tristes. Nos momentos de felicidade podem julgar que o mundo é muito pequeno para contê-los, por isso se elevam pelos ares, asas do vento, para os céus; mas nos momentos de tristeza chegam à conclusão de que o mundo já está farto deles e de boa vontade se desembaraçariam de sua pessoa. Há ocasiões de entusiasmo em que seus corações são agitados como se fosse por um fogo ardendo dentro, ou como se tivessem subitamente achado um tesouro. Igualmente há horas de depressão em que seu coração não pode ser estimulado, mas sim cedem a um sentimento de perda que os deixa extremamente deprimidos. Seu gozo e sua pena igualmente dependem principalmente do sentimento. Suas vidas são suscetíveis de mudanças constantes, porque são governados por suas emoções.
A hipersensibilidade é outro traço que geralmente marca os anímicos. É muito difícil viver com eles porque interpretam qualquer movimento que acontece ao seu redor como dirigido a eles.
Quando alguém os trata com menos cuidados, se zangam. Quando suspeitam que os outros mudaram de atitude a seu respeito, se magoam. Exibem o sentimento da inseparabilidade. Uma leve mudança em tal relação produz em sua alma uma dor inexprimível. E assim estas pessoas se enganam pensando que sofrem pelo Senhor.
Deus conhece as fraquezas dos anímicos quando fazem do seu eu o centro, e se consideram especiais quando conseguem um pequeno progresso no reino espiritual. Deus lhes concede dons especiais e experiências sobrenaturais que lhes possibilitam vivenciar momentos de bem-aventurança inefável, assim como momentos de maior intimidade com o Senhor, como se O tivessem visto e tocado. Mas Ele usa estas graças especiais para que se humilhem e assim possa trazê-los para o Deus de toda graça. Infelizmente, esses crentes não seguem os propósitos de Deus. Em vez de glorificar a Deus e aproximar-se mais dEle, apoderam-se da graça de Deus para sua própria jactância. Agora se consideram mais fortes que outros; porque imaginam, em segredo, que são mais espirituais que aqueles que não tiveram estes encontros. Além disso, os crentes anímicos têm numerosas experiências sentimentais que os induzem a considerar-se mais espirituais, sem se dar conta que não passam de evidências de que são carnais. Quem é espiritual não vive pelo sentimento, mas sim pela fé.
Com freqüência o cristão carnal é perturbado pelas coisas de fora. As pessoas ou os assuntos ou as coisas no mundo que os rodeia facilmente invadem seu homem interior e perturbam a paz de seu espírito. Se colocarem um cristão anímico em um ambiente feliz, se sentirá feliz. Ponha-o em um ambiente penoso e se sentirá de causar pena. Carece de poder criador. Em vez de possuí-lo, adota a compleição peculiar daqueles com os quais está em contato. Os que são anímicos geralmente prosperam na sensação. O Senhor lhes concede o sentido de Sua presença antes de alcançarem a espiritualidade. Tratam esta sensação como um gozo supremo. Quando lhes concede um sentimento assim, imaginam que fazem grandes progressos para o auge da maturidade espiritual. Contudo, o Senhor alternadamente concede e retira esses toques, para poder treiná-los gradualmente a prescindir da sensação e a andar por fé. Eles, porém, não entendem o método do Senhor, e chegam à conclusão de que sua condição espiritual é mais elevada quando sentem a presença do Senhor e mais baixa quando deixam de senti-la.
Os cristãos carnais têm uma marca comum: a verbosidade. Suas palavras deveriam ser poucas, sabem muito bem, mas se vêem impulsionados a discussões intermináveis, com a emoção mais entusiasta. Carecem de controle de si mesmos na fala; uma vez que tenham aberto a boca, a mente parece não ter rédeas para freá-la. As palavras saem como uma avalanche.
Em certo momento, o cristão anímico percebe que não deveria falar sem parar, mas por alguma razão lhe é impossível inibir-se uma vez que a conversa tenha iniciado. Então há pensamentos de todos os tipos que rapidamente invadem a conversação, precipitando-se em uma contínua mudança de assuntos infalivelmente cheio de palavras. E «quando as palavras são muitas, não falta a transgressão», diz Provérbios 10:19. Porque o resultado será ou uma perda de controle devido ao muito falar, a perda da paz por causa das discussões, ou até a perda de amor por causa das críticas, porque de modo secreto e hipócrita ajuízam a outros dizendo que são loquazes e consideram que não deveriam sê-lo. Percebam que esta volubilidade não é adequada ao santo
A pessoa carnal não consegue parar de falar frivolamente, e prossegue falando e escutando brincadeiras pobres. Ou pode haver conversações alegres e vivazes, que acredita que não pode perder, custe o que custar. Embora às vezes se aborreça desse falar sem proveito e ímpio, não é durante muito tempo; quando a emoção é de novo estimulada, automaticamente volta ao seu passatempo favorito.
Os cristãos anímicos se permitem também o «desejo dos olhos». O que com freqüência governa suas atitudes é o ponto de vista particular, artístico ou estético, que prevalece momentaneamente no mundo corrente. Não assumiram ainda a atitude de morte quanto aos conceitos artísticos humanos. Em vez disso se orgulham de possuir a visão penetrante do artista. Caso que não sejam admiradores ardentes da arte, podem saltar ao outro extremo e ser totalmente indiferentes à beleza. Esses vão vestir farrapos como demonstração do que sofrem pelo Senhor.
Os intelectuais entre os que vivem segundo a alma tendem a ver-se a si mesmos como «boêmios». Em uma manhã ventosa, ou uma noite de lua, por exemplo, é provável achá-los derramando suas almas em canções sentimentais.
Com freqüência lamentam suas vidas, vertendo muitas lágrimas de auto-compaixão. Esses indivíduos adoram a literatura, estão famintos dela e devoram sua formosura. Também recitam poemas líricos, porque isto lhes dá um sentimento transcendental. Vão ver as montanhas, os lagos e as correntezas, posto que isto os leva para mais perto da natureza. Ao ver que o curso do mundo declina, começam a pensar em viver uma existência isolada dos demais. Que elevados e que puros são! Não como os outros crentes, que lhes parecem materialistas, vulgares, metidos em mil assuntos. Esses cristãos se consideram muito espirituais, não reconhecendo o incrivelmente anímicos que são na realidade. Uma carnalidade assim representa o maior dos obstáculos para que possam entrar em um reino totalmente espiritual, porque são governados completamente por sua emoção. O que constitui o maior risco para eles é que não conseguem perceber sua posição perigosa e o seu total contentamento próprio.
Os crentes carnais podem abundar em conhecimento chamado espiritual, mas ficam curtos na experiência. Daí que condenam os outros mas não se corrigem a si mesmos. Quando ouvem o ensino de dividir a alma e o espírito, sua mente natural o assimila rapidamente e sem dificuldade. Mas o que acontece então? Ficam a discernir e ordenar os pensamentos e atos anímicos, não de suas vidas, mas sim das dos demais. Sua aquisição de conhecimento meramente os impulsiona a julgar a outros mas não a ajudar-se a si mesmos.
Esta propensão a criticar é uma prática comum entre os anímicos. Têm a capacidade da alma de receber o conhecimento, mas carecem da capacidade espiritual para ser humildes. No relacionamento com as pessoas dão a impressão de serem frios e duros. Seus entendimentos com outros possuem certa rigidez. Ao contrário dos crentes espirituais, seu homem exterior não foi quebrantado e portanto não é fácil aproximar-se deles ou acompanhá-los.
Os cristãos que prosperam na vida da alma são muito orgulhosos. Isso é devido a fazerem do eu o seu centro. Por muito que tratem de dar a glória a Deus e reconhecer todo mérito como a graça de Deus, os crentes carnais têm a mente posta em si mesmos. Tanto se considerarem suas vidas boas ou más, seus pensamentos giram ao redor de si mesmos. Não se perderam ainda em Deus. Ficam muito magoados se forem postos de lado, seja na obra ou no julgamento dos outros. Não podem tolerar os mal-entendidos ou as críticas, porque — ao contrário de seus irmãos mais espirituais — ainda não aprenderam a aceitar alegremente as disposições de Deus, quer estas resultem em elevação ou em rejeição.
Resistem em parecerem inferiores, ou serem desprezados. Mesmo depois de terem recebido a graça de conhecer o estado real de sua vida natural como muito corrupta, e até depois de haver-se humilhado diante de Deus — considerando que suas vidas são as piores do mundo—, essas pessoas, apesar disso e ironicamente, terminam considerando-se mais humildes que os outros. Se envaidecem de sua humildade! O orgulho está encravado neles até a medula dos ossos.


As obras dos crentes anímicos

Os anímicos não cedem a ninguém em questão de obras. São os mais ativos, zelosos e dispostos. Mas não trabalham porque tenham recebido a ordem de Deus; trabalham, em troca, porque têm o zelo e a capacidade de fazê-lo. Acreditam que fazer a obra de Deus é muito bom, sem perceber que só o fazer a obra que Deus ordenou é verdadeiramente elogioso. Estes indivíduos nem têm o ânimo para confiar nem o tempo para esperar. Nunca procuram sinceramente fazer a vontade de Deus. Ao contrário, operam conforme suas idéias, com a mente cheia de planos e esquemas. Devido a que trabalham com diligência, estes cristãos caem no engano de ver-se como mais adiantados que outros irmãos deles que vão mais pausadamente. Quem pode negar, não obstante, que com a graça de Deus estes últimos podem ser facilmente mais espirituais que os primeiros?
O trabalho dos crentes anímicos depende principalmente dos sentimentos. Ficam a trabalhar só quando os emprega; e se estes sentimentos apropriados cessam enquanto estão trabalhando, deixam de fazê-lo imediatamente. Podem dar testemunho a outros durante horas sem cessar e sem cansaço se experimentam em seus corações um desejo ardente e um sentimento de contentamento inexprimível. Mas se tiverem que suportar um desprezo ou uma insipidez logo que vão falar, ou não falarão em absoluto, inclusive frente à maior necessidade, nem mesmo diante de uma situação no leito de morte. Com calor estimulante podem correr milhares de milhas; sem ele não vão dar um passo. Não podem prescindir de seus sentimentos até o ponto de falar com o estômago vazio a uma mulher samaritana ou com os olhos sonolentos a um Nicodemos.
Os cristãos carnais trabalham com gosto; contudo, entre os muitos trabalhos são incapazes de manter a calma de seu espírito. Não podem cumprir as ordens de Deus quietamente como seus irmãos espirituais. O muito trabalho os transtorna. A confusão exterior lhes causa uma inquietação interna. Seus corações são governados por questões externas. «As muitas coisas os angustiam» (Lc. 10:40). Isso é característico da obra do cristão anímico. Os cristãos carnais se desanimam facilmente por causa de MEUS esforços. Falta-lhes a tranqüila confiança que se apóia em Deus para fazer a obra. Estando regidos por suas sensações internas e o ambiente externo, não podem apreciar a «lei da fé». Diante do sentimento de que falharam, por mais que não seja verdade, estão dispostos a renunciar. Se deprimem quando o ambiente se nubla e fica desanimado. Não entraram ainda no repouso de Deus.
Como lhes falta poder ver ao longe, estes crentes que confiam na alma se desanimam facilmente. Só podem ver o que têm imediatamente diante de si. As vitórias momentâneas injetam-lhes gozo; as derrotas temporárias os entristecem. Não descobriram a maneira de ver o fim da obra através dos olhos da fé. Desejam um êxito imediato como consolo e distração para seu coração; a falha em consegui-lo os faz incapazes de seguir adiante, imperturbáveis, e confiar em Deus em meio às trevas circundantes.
Os crentes anímicos são peritos em descobrir faltas, embora eles não sejam por necessidade fortes. São prontos a criticar e lentos em perdoar. Quando investigam e corrigem as deficiências de outros exsudam uma espécie de auto-suficiência e uma atitude de superioridade. Sua maneira de ajudar às pessoas gente é correta e legal, mas sua motivação nem sempre é reta.
A tendência a apressar-se marca com freqüência aos que partem ao ritmo de sua alma. Não esperam a Deus. Tudo o que fazem é precipitado, impetuoso, com pressa. Operam, mais por impulso que por princípios. Inclusive na obra de Deus, estes cristãos são impulsionados por seu zelo e paixão, até o ponto que não podem esperar que Deus deixe clara sua vontade e seu caminho.
A mente do carnal está ocupada completamente em seus empreendimentos. Consideram e planejam, fazem esquemas e predizem. Algumas vezes pressagiam um futuro esplêndido, por isso estão fora de si de gozo; outras vezes captam só olhadas de trevas e imediatamente são presa de um estado de miséria inexprimível.
Dessa forma, estão pensando em seu Senhor? Não, pensam mais em seus trabalhos. Para eles, o fazer a obra do Senhor é de importância suprema, mas com freqüência se esquecem de que o Senhor é o que dá a obra. A obra do Senhor ocupa o centro, mas o Senhor da obra retrocede ao fundo.
As pessoas anímicas carecem de penetração espiritual, por isso são guiadas por pensamentos súbitos que, como brilhos, cruzam velozes sua mente; suas palavras e obras, portanto, são com freqüência inapropriadas. Falam, em primeiro lugar, não porque se sentem chamados a fazê-lo, mas sim simplesmente porque supõem que é necessário fazê-lo. E, então, podem fazer recriminações, quando deveriam mostrar simpatia ou consolação. Tudo isto é devido a sua deficiência em discernimento espiritual. Confiam muito em seus pensamentos limitados e limitantes. E até depois que se viu que suas palavras são improcedentes, negam-se a aceitar o veredicto dos feitos. Devido a que possuem oceanos de planos e montanhas de opiniões é muito penoso trabalhar com os cristãos carnais. Tudo o que lhes parece bom deve ser aceito como bom pelos outros. A condição essencial para operar com eles é estar perfeitamente de acordo com suas idéias ou interpretações. Não podem tolerar qualquer opinião diferente que alguém possa manifestar. Embora o crente anímico saiba que não deveria aferrar-se a opiniões, assegura-se de que sempre que alguma opinião tenha que ser descartada, que não seja a sua! O sectarismo — admite — não é espiritual; mas nunca é sua seita particular a que deve desaparecer. Tudo o que ele não aceita, o considera como uma heresia. (Não é de se estranhar que outros cristãos — anímicos como ele — lhe paguem com a mesma moeda, negando a autenticidade de sua fé.) Sente grande apego a sua obra. Ama a seu pequeno círculo, digamos íntimo, e é por isso incapaz de trabalhar conjuntamente com outros filhos de Deus. E insiste em denominar somente filhos de Deus aos que são de sua própria filiação. Quando chegamos ao sermão, o anímico não pode depender inteiramente em Deus. Ou põe sua confiança em algumas histórias ilustrativas boas, ou em palavras engenhosas ou em sua personalidade. Há alguns pregadores notáveis que possivelmente dependam completamente de si mesmos: como eu disse, todos tem que escutar! Podem depender de Deus, mas também, ao mesmo tempo, dependem deles mesmos. Daí sua cuidadosa preparação. Passam mais tempo analisando e recolhendo os materiais, e pensando com esforço, que orando e procurando a mentalidade de Deus e esperando o poder de cima. Memorizam suas mensagens e logo as pregam literalmente. Seus pensamentos ocupam um lugar primário nesta obra. Com um enfoque assim, estes crentes, naturalmente, vão pôr mais confiança na mensagem que no Senhor. Em vez de confiar no Espírito Santo para que lhes revele a necessidade do homem, e a provisão de Deus para seus ouvintes, dependem de modo exclusivo das palavras que pronunciam para comover os corações dos homens. Aquilo em que esses crentes carnais fazem insistência e no que confiam é só em suas palavras. Possivelmente suas mensagens transmitam a verdade, mas sem ser avivada pelo Espírito Santo, até a verdade é uma vantagem pequena. Haverá muito pouco fruto espiritual se alguém se apoiar nas palavras mais que no Espírito Santo. Por muito que essas mensagens sejam aclamadas, só fazem impacto na mente dos ouvintes, não em seus corações.
Os crentes anímicos desfrutam empregando palavras altissonantes e frases destiladas. Pelo menos a esse respeito estão tratando de imitar ao que é genuinamente espiritual, que, tendo recebido muita experiência, é capaz de ensinar com precisão, superior a de todos seus predecessores. O carnal considera isto altamente atrativo, por isso se deleita em empregar maravilhosa imaginação na mensagem. Sempre que lhe ocorre uma idéia que acredite superior — seja andando, conversando, comendo ou dormindo — a anota para uso futuro. Nunca se pergunta se essa idéia foi revelada pelo Espírito Santo ou é meramente um pensamento que irrompeu em sua mente.
Alguns cristãos que são verdadeiramente anímicos acham um deleite especial em ajudar a outros. Isto não significa que não tenham conhecimento; na realidade têm muito. Ao descobrir algum elemento impróprio ou quando lhes falam de alguma dificuldade, imediatamente adotam a atitude do crente veterano, ávidos de ajudar com a visão limitada que têm. Esbanjam ensinos escriturais e prodigalizam em abundância as experiências de santos. Inclinam-se a dizer tudo o que sabem, quer dizer, mais do que sabem, chegando com isso ao reino da hipótese. Estes crentes «veteranos» exibem uma atrás da outra, todas as verdades que se armazenaram em suas mentes, sem se inquirir se aqueles a quem falam têm realmente a necessidade delas ou podem absorver tanto ensino em uma sessão. São como Ezequias, que abriu as portas do tesouraria e exibiu todos seus tesouros.
Algumas vezes sem nenhum estímulo externo, mas porque simplesmente foram movidos por uma emoção interna, derramam ensinos espirituais sobre outros, muitos dos quais meramente teorias. Desejam, além disso, desdobrar seu conhecimento.
Entretanto, nem todas as peculiaridades antes mencionadas existem em cada um dos filhos de Deus de caráter anímico. Varia com as diferentes personalidades. Alguns ficam quietos, sem dizer nem uma sílaba. Até em meio de uma necessidade desesperam-se, e quando deveriam falar, mantêm a boca fechada. Não alcançaram ainda a libertação do acanhamento e do temor natural. Podem estar sentados junto a aqueles crentes faladores e criticá-los no coração, mas seu silêncio não os faz menos anímicos.
Devido a que não estão enraizados em Deus e, portanto, não aprenderam a esconder-se nele, as pessoas carnais desejam ser vistas. Procuram posições proeminentes na obra espiritual. Se assistem a reuniões esperam serem ouvidos, embora eles não escutem a outros. Experimentam um gozo inexprimível quando são reconhecidos, respeitados e recebem homenagem.
O anímico ama usar fraseologia espiritual. Aprendem de memória um copioso vocabulário espiritual que empregam invariavelmente em qualquer oportunidade conveniente. Usam-no tanto ao pregar como ao orar, mas não de coração.
Os que vivem no reino da alma possuem uma voraz ambição. Seu desejo ocupa com freqüência o primeiro lugar. Se vangloriam da obra do Senhor. Aspiram a ser operários poderosos, usados grandemente pelo Senhor. Por que? Para que possam obter um lugar, conseguir um pouco de glória. Gostam de comparar-se a si mesmos com outros: provavelmente nem tanto com aqueles a quem eles não conhecem como com aqueles com quem colaboram. Este disputar e contender pode ser muito intenso. Desprezam os que espiritualmente buscam a Deus, considerando-os como ociosos; rebaixam os que são espiritualmente grandes, visualizando-os como quase seus iguais. Sua firmeza se aplica a ser grandes, a estar na cabeça. Esperam a prosperidade de sua obra, com o objetivo de que se fale deles. Esses desejos, naturalmente, estão profundamente escondidos em seus corações e podem ser apenas perceptíveis aos outros. Embora esses desejos possam estar muito bem escondidos e mesclados com motivos mais puros, a presença desses desejos inferiores é um fato irrefutável.
Os crentes anímicos são muito satisfeitos de si mesmos. Se o Senhor os usar para salvar uma alma, se enchem de júbilo e se consideram espiritualmente vitoriosos. Se alcançam algum triunfo, enchem-se de orgulho. Um pouco de conhecimento, um pouco de experiência, um pequeno êxito facilmente os faz sentir como se houvessem conseguido muito. Este traço comum entre os cristãos anímicos pode ser comparado ao copo pequeno que se enche facilmente. Não enxergam o vasto e profundo oceano de água que fica de fora. Conquanto seu balde esteja transbordando já estão satisfeitos. Não se perderam em Deus, pois senão encarariam todas estas coisas como sem valor, porém seus olhos estão sempre enfocados em seu eu insignificante e por isso se sentem muito afetados por qualquer simples e pequeno ganho ou perda.
Essa capacidade limitada é a razão pela qual Deus não pode usá-los mais. Se essa jactância tiver como resultado ganhar só dez almas para o Senhor, o que aconteceria se tivessem ganhado mil?
Depois de terem experimentado algum êxito na pregação, uma idéia permanece nesses crentes anímicos: foram verdadeiramente magníficos! Insistir em sua superioridade lhes rende grande gozo. Que diferentes são dos outros, inclusive «maiores que o maior dos apóstolos!» Pois bem, algumas vezes se sentem magoados em seus corações se os outros não os estimam conforme acreditam merecer. Lamentam a cegueira dos que não reconhecem que um profeta pode proceder de Nazaré e que está ali presente. Às vezes, quando esses crentes anímicos pensam que suas mensagens contêm revelações que ninguém tenha descoberto antes, sentem apreensão de que sua audiência possa não apreciar a maravilha das mesmas. Depois de cada êxito vão passar horas, senão dias, felicitando-se a si mesmos. Debaixo desse engano, não é de se estranhar que frequentemente se convençam de que a igreja de Deus deveria perceber que grande evangelistas ou pregadores de avivamentos ou escritores eles são. Que desgosto sentem se as pessoas não percebem isso!
Os crentes carnais carecem de princípios fixos. Suas palavras e feitos não seguem máximas determinadas. Vivem em conformidade com sua emoção e sua mente. Operam conforme sentem ou pensam, algumas vezes de modo diferente e até oposto à sua pauta usual. Essa mudança pode ser vista de modo muito vívido depois da pregação. Mudam de acordo com o que pregaram recentemente. Se, por exemplo, falaram sobre paciência, durante os dois dias seguintes se mostram extremamente pacientes. Se exortaram a louvar a Deus, começam a louvar sem cessar. No entanto, isso não vai durar. Como obram segundo o que sentem, suas próprias palavras vão ativar suas emoções e assim se comportarão de uma maneira determinada. Mas, uma vez passada a emoção, tudo termina e voltam a ser como antes.
Outro ponto especial com referência aos cristãos anímicos é que parecem ser superdotados. Os crentes envolvidos no pecado não mostram tantos talentos; nem tampouco os que são espirituais. Aparentemente, Deus concede dons abundantes aos anímicos a fim de que estes possam voluntariamente entregar seus dons à morte, e, uma vez renovados e glorificados na ressurreição, recebê-los de volta. Contudo, esses santos de Deus resistem a consignar estes dons à morte, e em vez disso os usam ao máximo. As habilidades concedidas por Deus deveriam ser usadas por Deus e para Sua glória, mas os crentes carnais com freqüência as consideram como suas próprias. Enquanto sirvam a Deus nesse estado mental vão continuar usando-as em conformidade com suas idéias, sem permitir que o Espírito Santo os guie. E quando têm êxito, atribuem a si próprios toda a glória. Naturalmente, uma autoglorificação e autoadmiração assim, são muito veladas; entretanto, por muito que tentem parecer humildes e oferecer a glória a Deus, não podem evitar de estarem centrados em si mesmos. A glória pode ser de Deus, sim; mas é para Deus e para mim!
Pelo fato dos carnais terem muitos talentos — ativos no pensamento e ricos na emoção —, facilmente estimulam o interesse das pessoas e comovem seus corações. Em conseqüência, os cristãos anímicos possuem personalidades magnéticas. Podem rapidamente ganhar a aclamação do povo comum. Contudo, persiste o fato de que realmente carecem de poder espiritual. Não têm o fluxo vivo do poder do Espírito Santo. O que têm é o seu próprio. As pessoas notam que possuem algo, mas esse algo não dá vitalidade espiritual aos outros. Os vêem muito ricos; mas na realidade são muito pobres.
Concluindo: um crente pode ter alguma ou todas as experiências já mencionadas, antes de ser libertado inteiramente do jugo do pecado. A Bíblia e a experiência real juntas dão prova do fato de que muitos crentes são controlados simultaneamente, por um lado, por seu corpo para incorrer em pecado, e influenciados, por outro, por sua alma para viver conforme si mesmos. Na Bíblia os dois são rotulados como «da carne».
Algumas vezes, em suas vidas, os cristãos seguem o pecado do corpo e outras a vontade própria da alma. Pois bem, se um crente pode encontrar muitos dos deleites da alma permitindo-se não menor indulgência nos desejos do corpo, não é igualmente possível ter muitas sensações da alma associadas com muitas experiências do espírito? (Naturalmente, não podemos ignorar que alguns concluem uma fase antes de entrar nas outras fases.) A experiência de um cristão, por conseguinte, é algo bem mais complexo. É imperativo que determinemos por nós mesmos se fomos libertos do baixo e ignóbil. O fato de termos experiências espirituais não nos faz espirituais. Só depois de libertos do pecado e do eu, podemos ser considerados espirituais.

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