O SACRIFÍCIO DE ABEL
Gêneses 4; Hebreus 11:4
Extraído do site www.verdadespreciosas.com.ar
e traduzido para o Português pelos irmãos da cidade
de Alegrete-RS
Se tomarmos a história do jardim de Éden em seu conjunto,
veremos nela um todo no mais pleno sentido, e um sucinto, mas completo quadro
dos caminhos de Deus. O homem posto sob responsabilidade, e inclusive sob a
lei, foi pecaminoso, e mostrou ser um verdadeiro pecador; e foi jogado fora do
lugar de residência, onde Deus o visitava para ter comunhão com Ele. Mas Deus
não o enviou fora para começar um novo mundo longe Dele mesmo sem dar o mais
pleno testemunho à soberana graça que fez frente ao mal. A nudez do homem era a
expressão da inocência que se perdeu. A vergonha e a culpa, e um temor culpável
da presença de Deus, constituíam agora o estado do homem: Deus em sua soberana
graça resolveu isto. Vestiu ao Adão com aquilo que proveio da morte, e Seus
olhos tinham Sua própria obra ante Ele. Isto não dizia que o homem estivesse nu
em si mesmo, mas sim que o próprio Deus, havendo tomando conhecimento disso em
graça, havia coberto sua nudez. O presente estado foi perfeita e plenamente
provido, e o poder do mal julgado no futuro. daqui em diante o poder da semente
da serpente seria destruído.
Mas o homem, jogado fora assim de diante de Deus, com a
inocência perdida, começou um novo mundo, e então surgiu necessariamente a
pergunta: «Pode ter o homem algo que dizer a Deus?; e como?» Agora bem, é claro
que se Deus obrou no homem, Ele não podia nem por um momento ser indiferente ao
que tinha acontecido; e mais claro ainda é o fato de que Deus não podia ser
indiferente ao estado do mal que tinha levado ao homem onde se encontrava
agora, e que foi expresso pelo que ele era em pecado e longe de Deus. Aquilo
que era o triste resultado para o homem, Deus o viu como o mal estado nele.
A expulsão do paraíso pôs ao homem em uma via judicial
fora daquele lugar, embora não de maneira irrecuperável. Ele estava ali moralmente,
e surgiu a pergunta: «Podia aproximar-se de Deus?» Em realidade, agora não
podia, enquanto for insensível ao estado no qual tinha entrado; em este
permaneceria ainda tão afastado de Deus como sempre, e Deus, em Seu governo e
testemunho públicos, não podia dar testemunho de receber ao homem nesse estado.
E esta é a nova plataforma sobre a que se acham Caim e Abel: a de uma
aproximação a Deus achando-se em um estado que foi o resultado da expulsão de
Sua presença. Aproximamo-nos de Deus como se nada tivesse passado, em relação
com as circunstâncias e os deveres cotidianos do lugar no qual entramos, ou, em
troca, conscientes da pecaminosidade deste estado, conscientes de nossa queda,
e elevando nossos olhares a Deus em nossas consciências como aqueles que as
adquirimos pelo pecado? Todo cristão sabe. E note-se bem aqui, que não se trata
de pecado cometido, mas sim da consciência de nossa verdadeira condição diante
de Deus.
Caim vai a Deus com o fruto de seu esforçado trabalho (o
homem tinha sido enviado para cultivar a terra). Tal é o verdadeiro estado
prático do homem jogado fora. No Abel, em troca, a fé tinha suas percepções. O
pecado tinha entrado, e, pelo pecado, a morte; e a fé o reconhecia. “Agora, na
consumação dos séculos, apresentou-se uma vez para sempre pelo sacrifício de si
mesmo para tirar do meio o pecado” (Hebreus 9:26). Isto não era a purificação
dos pecados atuais cometidos pelo indivíduo. Destes se fala imediatamente
depois como um tema à parte e distinto, que adiciona o julgamento, mas um
julgamento já pronunciado para aqueles que olham a Ele como Aquele que levou
nossos pecados, Aquele que veio a ser Ele mesmo o Juiz (Hebreus 9:26-28).
Temos quatro mundos, por assim dizê-lo, neste aspecto:
1. O Jardim de Éden
2. Um mundo já não mais inocente, a não ser um homem
afastado de Deus e jogado fora para um lugar onde o pecado e Satanás reinam.
3. Um mundo no qual Cristo reina em justiça, e
4. Os novos céus e a nova terra, onde mora a justiça.
Temos um mundo inocente (que agora já passou) onde o
homem foi provado sem o mal nele pela simples obediência. O mundo final,
baseado na justiça, que nunca muda em sua natureza, e que não pode muda em sua
estabilidade moral
Mas logo que o pecado tinha entrado e caracterizado o
mundo e o estado do homem, os termos sobre os quais o homem podia estar com
Deus deviam ser mudados, por quanto Deus não podia mudar. O fato de que um Deus
santo e uma criação pecaminosa tivessem que estar nos mesmos termos, como se
esta fosse inocente, simplesmente não podia ser. A livre e feliz comunhão seria
impossível. Podia haver um clamor por graça de parte do homem (uma provocação
pelo terreno sobre o qual o homem se achava), mas não uma livre relação. Que
Deus seja amor, não altera este fato. Seu amor é um amor santo, pois Ele é luz;
mas “os homens amaram mais as trevas que a luz, porque suas obras eram más”
(João 3:19).
Admito e acredito que o livre e soberano amor de Deus
originado por si mesmo, constitui a fonte de todo nosso gozo, esperanças e
bênçãos, eternas e infinitas como o são. Mas Deus exerce esse amor mediante a
introdução de um Mediador na morte: não aqui mediante o derramamento de sangue
para pagar a culpa, mas sim na perfeita entrega de Si mesmo a Deus no que era a
morte, como tal, e o fruto do pecado. ofereceu-se a gordura (Gênese 4:4) assim
como o sangue, mas não oferecida como tal para perdão, mas sim para aceitação
em Outro, o qual se deu a si mesmo completamente a Deus na morte, a qual tinha
entrado. E advirta-se que as almas podiam aproximar-se de Deus: cada qual vinha
com sua oferenda.
Caim veio como se nada tivesse passado, e tanto assim
trouxe para Deus como oferenda o que era sinal do estado arruinado no qual
tinha entrado, mas que ele não reconhecia como de ruína. Não havia fé nisso. Em
Abel sim a havia. Ele ofereceu pela fé ?a qual reconhecia que a morte tinha
entrado pelo pecado?, mas que Outro se deu a Si mesmo por ele, uma oferenda
feita por fogo de aroma grato. Porque há duas coisas: “Ao que nos amou, e nos
lavou de nossos pecados” (Apocalipse 1:5) e “Cristo nos amou, e se entregou a
si mesmo por nós, oferenda e sacrifício a Deus em aroma suave” (Efésios 5:2). A
primeira tinha que purificar os pecados precedentes; a outra assinalava o valor
e a preciosidade daquele em quem somos aceitos, “aceitos no Amado” (Efésios
1:6). Agora bem, tratava-se de uma questão de aceitação ao vir diante de Deus;
e Deus não aceitou ao Caim. Ele aceitou ao Abel; mas o testemunho foi dado de
seus dons. Abel foi aceito, mas o testemunho de Deus era em relação ao que ele
trouxe: a vida de outro em todas suas energias e perfeição entregue a Deus na
morte.
Outra coisa devemos observar aqui: não se tratava de Deus
que apresentava algo ao pecador. Isso era uma “propiciação (??????????) por
meio da fé em seu sangue” (Romanos 3:25). Aqui se trata do Abel que se
apresenta a si mesmo a Deus, mas vindo mediante a aceitação e perfeição de
Outro que se deu a si mesmo por ele. E isto é propiciação. Agora, dizer que
Deus podia receber a um pecador tal como se recebesse a uma pessoa inocente,
equivale a dizer que Deus é indiferente ao bem e ao mal. E advirta-se aqui que
não se fez uma diferença conforme a uma mudança interior que os olhos de Deus
tenham visto (embora sim havia tal mudança, pois a fé estava operando no coração de Abel), mas sim uma estimativa
judicial de parte de Deus, dos dons que Abel trouxe, de Cristo em figura, de
Cristo devotado em sacrifício; e para isto temos a expressa autoridade da
Epístola aos Hebreus. tratava-se de um sacrifício propiciatório como fundamento
da aceitação diante de Deus; do contrário, faltaria toda a base da posição de
um mundo caído, toda a base moral da preferência de Abel ao Caim.
admite-se que o amor, o amor que elege, pode ter estado
ali; mas o fundamento da aceitação, tal como a Escritura o declara (veja-se
Hebreus 11) faltaria se o sacrifício propiciatório não fosse aceito. Para
ganhar a justiça segura diante de Deus, e para a aceitação do crente, conforme
ao valor que é em Cristo, Ele se ofereceu a si mesmo absolutamente sem mancha
para glória de Deus. “Agora é glorificado o Filho do Homem, e Deus é
glorificado nele. Se Deus é glorificado nele, Deus também lhe glorificará em si
mesmo, e em seguida lhe glorificará” (João 13:31-32). A fé acreditou nisto
então, e achou-se fruto. Abel foi aceito, e foi distintivamente sobre a base do
que trouxe, de sua oferta. Caim não trouxe nenhuma dessas oferendas; ele tinha
que ser aceito em si mesmo somente, e não foi. A fé olhe a este sacrifício, e
encontra aceitação e bênção conforme ao valor de Cristo aos olhos de Deus.
Só queria adicionar agora que Deus deu a Cristo para este
fim. Ele “enviou a seu Filho em propiciação por nossos pecados” (1.ª João
4:10). Nisso está a obra do amor que se gera a si mesmo, mas a obra efetiva do
sofrimento consiste em levar a cabo em justiça esse amor. Deus não permita que
debilitemos a confiança no amor do Pai. “que permanece em amor, permanece em
Deus, e Deus nele.” “E nós temos conhecido e cremos no amor que Deus tem para
conosco” (1.ª João 4:16).
É, pois, certo que Abel ?estando o homem caído? procurou
o rosto de Deus e sua aceitação diante Dele mediante um sacrifício, de cujo
valor Deus deu testemunho, “pelo qual alcançou testemunho de que era justo”
(Hebreus 11:4). Foi um sacrifício que reconheceu que a morte tinha entrado, mas
que, como foi apresentado, levava o caráter daquele que se ofereceu a si mesmo
para glória de Deus. Não estavam em tela de juízo os pecados atuais, a não ser
o estado do homem e sua aceitação diante de Deus sobre a base da morte
mediatória, na qual a própria glória de Deus somente foi procurada por parte do
homem em obediência, e na qual o dom mais elevado da graça resplandeceu por
parte de Deus em amor.
Mas aqui, em direta relação com nosso tema, há outro
ponto, menos abstrato, possivelmente mais estreito quanto a seus resultados,
mas que trata mais diretamente com a consciência, e daí sua necessidade atual.
Se um homem crê de coração (ou seja, convencido de sua culpa) no Senhor Jesus
Cristo, não virá a julgamento; sabe que é perdoado e justificado, que tem paz
com Deus, e se regozija na esperança de Sua glória, e confia em Deus para todo
seu caminho até o fim. “Bem-aventurado o homem a quem Jehová não culpa de
iniqüidade” (Salmo 32:2): não que não tenha cometido nenhuma, mas sim que foi
levada por Outro. Outro foi substituído em seu lugar por graça, O qual tomou o
cargo da culpa sobre si mesmo, “quem levou ele mesmo nossos pecados em seu
corpo sobre o madeiro” (1.ª Pedro 2:24). Não se trata aqui da base sobre a qual
se acha o gênero humano diante de Deus, como no caso do Abel, e que, como
princípio geral, reconhece toda a verdade; mas sim de pecados atuais cometidos,
com os quais tratou e os quais tirou da presença de Deus Aquele que foi “moído
por nossos pecados; o castigo de nossa paz foi sobre ele, e por sua chaga fomos
nós curados” (Isaías 53:5).
Pois bem, isto, chame-o pela palavra que lhe agrade, era
Uma pessoa posta no lugar de outra, e que logo depois dessa maneira toma os
pecados e suas conseqüências sobre Si mesmo para que estes não recaiam no
mínimo sobre a pessoa, que era ela a culpada, em juízo ou em conseqüências
penais. Mas eles sim recaem sobre todos aqueles que não se acham sob este
beneficio de substituição, e com os tais Deus entra em juízo a respeito deles.
Pois do povo de Deus será dito: “Como agora”, não o que os homens têm feito,
mas sim “O que tem feito Deus!” (Números 23:21-23).
A substituição, pois, é uma verdade que a Escritura
ensina com máxima certeza; quer dizer, uma pessoa assumindo o lugar de outra,
Cristo levando os pecados do indivíduo em Seu próprio corpo sobre o madeiro,
sendo moído por eles em lugar do culpado, o qual é curado pelas chagas que
Cristo recebeu. Pois “todos nos desencaminhamos como ovelhas, cada qual se
apartou por seu caminho; mas Jehová carregou nele o pecado de todos nós”
(Isaías 53:6).
William Kelly
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