domingo, 14 de setembro de 2008

Trinitarianismo de Westminster:Niceno ou Reformado?- Robert L. Reymond

Na edição do Outono de 2000 (Vol. 621, n° 2 ) do The Westminster Theological Journal, o dr. Robert Letham fez uma resenha da minha Teologia Sistemática (A New Systematic Theology of the Christian Faith, primeira edição). Uma das suas críticas tem a ver com minha pergunta se o Trinitarianismo da Confissão de Fé de Westminster, II.3, é “Niceno” ou “Reformado” – por “Reformado” aqui quero dizer simplesmente a visão não-especulativa da “eterna geração” e “eterna processão” esposada por João Calvino e seus seguidores – uma pergunta que não considero como inapropriada ou deslocada. Sugeri que a visão da Confissão é a última [ou seja, Reformada], mas não numa forma totalmente nova ou radical, sem dúvida; de fato, reconheço que a linguagem da Confissão é aquela dos Credos Niceno e Niceno-Constantinopolitano. O dr. Letham argumenta em refutação que ao assim fazer, eu separei a causa da Reforma da igreja primitiva – um rompimento que o próprio Calvino tentou evitar com cada fibra de seu ser – e portanto, praticamente cometi o pecado teológico imperdoável.

O dr. Letham afirma que cheguei à minha conclusão “construindo uma hipótese improvável sobre uma teoria insustentável”. Mas eu fiz isso? Quando aprendemos que o Trinitarianismo de Calvino, juntamente com outros princípios de sua fé, “criou um partido”, mesmo nas igrejas Reformadas (B.B. Warfield), cuja visão de Deus era “fundamentalmente diferente”2 da do passado na crença que “as pessoas da Trindade eram iguais umas às outras em todo aspecto” (G. Bray), por que não deveríamos ao menos considerar se a Confissão de Fé de Westminster, o nivelador de águas dos escritos confessionais
Reformados, poderia ter intentado ou não, mediante sua breve declaração sobre a Trindade em II.3, ficar ao lado do entendimento não-especulativo de
Calvino sobre a Trindade, em oposição ao entendimento algumas vezes especulativo dos Pais Nicenos sobre a doutrina? Essa pergunta se torna particularmente premente quando lembramos que,
quando durante as primeiras semanas de suas sessões, a Assembléia de Westminster se engajou na revisão dos Trinta e Nove Artigos,3 e o Artigo viii sobre os Três Credos foi discutido, foi feita objeção àscláusulas ek theou.4 Não parece que houve qualquer argumento a favor da posição subordinacionista: antes, os que defendiam a retenção dos Credos gastaram suas forças em evitar a declaração credal de quaisquer implicações subordinacionistas.5

Por que não deveríamos concluir, então, quando esses mesmos homens, tendo os seus antigos debates sobre o Artigo viii preparado o caminho para um modo mais resumido de procedimento, voltam-se para a tarefa de escrever uma nova confissão de fé – a confissão que agora conhecemos como a Confissão de Fé de Westminster – que eles teriam a mesma oposição a qualquer e toda implicação subordinacionista nessa nova expressão confessional de seu Trinitarianismo? De fato, como Alex F. Mitchell observa, “o assim chamado Credo Atanasiano é contraído numa única sentença”6 do II.3, concernente a qual redução John Murray declara:

A brevidade [do Capítulo II, Artigo 3] é impressionante e sua simplicidade é igualada apenas por sua brevidade. Surpresa e gratidão são evocadas pela moderação ao se definir as propriedades distinguidoras das pessoas da Divindade. Foi a tradição Nicena que embelezou a doutrina, especialmente com respeito à Filiação de Cristo, com uma fórmula além da garantia da Escritura. A Confissão não cai em tais tentativas na definição. Gerações posteriores permanecem em grande débito para com Westminster pela sua prevenção deliberada, que salvou a Confissão de ser carregada com tais noções especulativas, elogiadas por teólogos por mais de mil anos, mas sem nenhum apoio da Escritura. Por conseguinte, tudo que encontramos sobre esse assunto é a breve declaração: ‘O Pai não é de ninguém – não é nem gerado, nem procedente; o Filho é eternamente gerado do Pai; o Espírito Santo é eternamente procedente do Pai e do Filho’. 7

Essa colocação de dados não sugere que existe uma diferença entre o Trinitarianismo Niceno e o que eu caracterizaria como o Trinitarianismo nãoespeculativo da Assembléia de Westminster? Penso que sim, mas mesmo
assim não quero dogmatizar. Mas ainda diria: embora seja possível que os teólogos de Westminster pretendiam apoiar os credos antigos de forma nãocrítica, e afirmar as doutrinas particulares da igreja primitiva da geração contínua do Filho pelo Pai, e a processão contínua do Espírito da parte do Pai e do Filho com respeito ao ser essencial deles como Deus, eu sugeriria que muito mais provável eles pretenderam que sua declaração Trinitariana – claramente

4 Nota do tradutor: ek theou significa “de Deus”. O autor está aludindo à expressão “theos ek theou”, que
aparece no Credo Niceno, e significa “Deus de Deus”.
5 Benjamin B. Warfield, “Calvin's Doctrine of the Trinity,” Calvin and Calvinism (Reprint; Grand Rapids:
Baker, 1991), V:279, fn. 137, itálico adicionado.
6 Alex F. Mitchell, Minutes of the Sessions of the Westminster Assembly Divines (Edinburgh: William
Blackwood and Sons, 187 4), li.
7 John Murray, “The Theology of the Westminster Confession of Faith,” Collected Writings of John
Murray (Edinburgh: Banner of Truth, 1982), 4:248.

tosada de quase todas as verborragias Nicenas e assim, de suas especulações
não-bíblicas – fosse entendida, de acordo com os insights mais bíblicos de Calvino, como uma expressão denotando a “ordem” eterna na Divindade.

É verdade que certos clérigos ingleses da época, tais como George Bull e John Perkins, escreveram defesas do Trinitarianismo do Credo Niceno, mas acho difícil crer que os formuladores da Confissão simplesmente pulassem o tratamento da Trindade por Calvino, como se não existisse, e retornassem sem críticas à teologia de Nicéia com seu subordinacionismo especulativo em subsistência essencial do Filho ao Pai (e mais tarde do Espírito ao Pai e ao Filho). Teólogos presbiterianos americanos ortodoxos, tais como Charles
Hodge, Benjamin B. Warfield, John Murray, J. Oliver Buswell, Jr., Loraine Boettner, e Morton H. Smith, têm seguido geralmente a insistência dos Reformadores do século dezesseis que a segunda e a terceira Pessoas da Divindade são autoteóticas, isto é, Deus por si mesmas, e assim, Pessoas autoexistentes.

O criticismo do dr. Letham surge de uma preocupação muito justa, a saber, a implicação em minha pergunta é que o Trinitarianismo Reformado é diferente do Trinitarianismo da igreja primitiva, separando assim a causa Reformada da igreja primitiva num vínculo estrategicamente vital. Ele afirma, como já observamos, que o próprio Calvino, solícito em manter a unidade católica com a igreja primitiva, como evidenciado por suas freqüentes citações favoráveis dos pais da igreja, particularmente Agostinho, teria se oposto a tal
separação com toda a força de seu ser. Embora a preocupação do dr. Letham
seja apropriada, visto que é certamente verdade que não deveríamos separar a
Reforma Magistral do ensino da igreja primitiva onde não é necessário fazê-lo,
creio que esse é um dentre vários casos nos quais é necessário assim proceder.
Além do mais, creio que o dr. Letham tem uma visão muito alta da estatura da
igreja primitiva como uma igreja de autoridade. Isso se torna evidente quando
ele conclui sua resenha propondo a pergunta de Colin Gunton:

… se não pudermos mais… nos apropriar da linguagem do passado –
por exemplo, as afirmações do Credo Niceno – então, sobre que
fundamentos somos capazes de julgar se compartilhamos ou não a fé
dos Pais que formularam o Credo?

Mas a pergunta de Gundon (e indiretamente, do dr. Letham) desconsidera o ponto todo de nossa diferença. Nossa preocupação primária é nos assegurar que “compartilhamos ou não a fé dos Pais que formularam o Credo”? Penso que não! Nossa preocupação primária é “nos apropriar da linguagem do passado”? Penso que não! Não é nossa preocupação primária nos assegurar que nossa fé, em primeiro lugar, passa pela inspeção bíblica, empregando a fé e os credos da igreja antiga como auxílios e ajudas secundárias, à medida que buscamos aprender e enunciar a verdade dasEscrituras infalíveis? Certamente penso que sim, e creio que o dr. Letham pensa assim também. E a fé dos pais antigos, embora reverenciemos seus labores credais, não deve ser considerada como uma autoridade secundária ao ensino da própria Escritura? Certamente penso que sim, e novamente creio que o dr. Letham pensa assim também. Portanto, não penso que seja essencial para o comprometimento das igrejas Reformadas contemporâneas à “fé dos pais” como expressa nos antigos concílios ecumênicos, que elas devam aceitar os seus pronunciamentos credais sem críticas, e sem nenhuma qualificação. E certamente João Calvino não fez isso.
Tradução: Felipe Sabino de Araújo Neto
Extraído do site www.mpnergismo.com

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