sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Como Ler a Bíblia Biblicamente- Joe Morecraft

A sua visão sobre Deus determinará como você lê a Bíblia. A hermenêutica2 procede da teologia. O Senhor Deus do Pacto é um Deus que se revela. Ele se revela em Sua criação, em Seu Filho, e em Sua Palavra escrita. E é somente por essa revelação escrita que podemos entender a Sua revelação na criação e, mais especialmente, em Seu Filho.

Essa revelação bíblica são pensamentos produzidos pelo Espírito em palavras produzidas pelo Espírito (1Co. 2:13). Os pensamentos de Deus expressos por meio dos Seus profetas e apóstolos à igreja e ao mundo originaram-se em Sua mente racional; e as palavras que eles usaram para comunicar aqueles pensamentos também se originaram em Sua mente (1Co. 2:10-13). O ponto é que Deus se revela na Bíblia em pensamentos e palavras que têm sentido para Ele mesmo e para nós, como seres humanos. Ao ler a Bíblia, iluminados por Seu Espírito, sabemos o que Deus está pensando.

Quais são as implicações dessa visão de Deus para a forma como lemos e interpretamos a Bíblia? Primeiro, porque a Bíblia é revelação da parte de Deus, ela é uma revelação inerrante. Tudo o que ela afirme como verdadeiro sobre qualquer assunto é verdadeiro; e não importa o que ela diga que tenha acontecido, de fato aconteceu como a Bíblia o descreve. Visto que Deus não mente, nem a Bíblia o faz. Portanto, quando lemos a mesma, devemos crer em tudo o que ela ensina, confiar em todas as suas promessas, e obedecer seja qual for o mandamento, pois Deus é o seu autor. (Confissão de Fé de Westminster, 1.4) Segundo, porque ela é a revelação do Deus que fala como o perfeito Comunicador, ela chega com clareza inegável. Deus se revela para que seja entendido. Sua Palavra chega a nós com autoridade divina auto-evidente, e é claramente dada. De fato, “a principal contribuição dos Reformados Protestantes à hermenêutica bíblica é a sua insistência sobre o claro significado da Escritura.”3
A Bíblia é uma revelação tão clara da parte de Deus que crente de inteligência mediana, mediante cuidadoso estudo da Bíblia, atenção à Palavra pregada, e comunhão com outros crentes podem compreender aquelas verdades bíblicas que são necessárias para a salvação. Nem toda passagem é igualmente clara, portanto os textos menos claros devem ser entendidos à luz dos mais claros. A linguagem clara da Bíblia é algumas vezes elaborada e altamente figurada. Ela não deve ser interpretada num sentido “literal” que não permita o metafórico e tipológico. Interpretar a Bíblia literalmente é interpretá-la como literatura.

Isto é, o sentido natural de uma passagem deve ser interpretado de acordo com as regras normais de gramática, discurso, sintaxe e contexto. ― E para sermos intérpretes corretos da Bíblia precisamos conhecer as regras de gramática; e acima de tudo, devemos estar cuidadosamente envolvidos no que é chamado de análise de gênero. ― Análise de gênero envolve o estudo de coisas
tais como formas literárias, figuras de linguagem e estilo.4 Terceiro, visto que a revelação bíblica é proposicional (ela vem em palavras, sentenças e sintaxe gramática), e porque ela é histórica (foi falada em momentos históricos reais), a Bíblia deve ser interpretada de acordo com o princípio de interpretação gramático-histórico. Para que um texto bíblico fale por si mesmo, suas palavras e sentenças devem ser explicadas de acordo com “o significado no dicionário, a estrutura gramatical, as regras normais de sintaxe… e também em seu contexto histórico… o significado do texto bíblico é determinado por esse texto como endereçado e entendido por sua audiência original ― em sua situação histórica e contexto cultural.”5 Isso é particularmente útil de se lembrar quando estudando o livro de Apocalipse. Em Apocalipse 1:3, o apóstolo João escreve: “Bem-aventurado aquele que lê, e os que ouvem as palavras desta profecia, e guardam as coisas que nela estão escritas; porque o tempo está próximo.” Ele está dizendo aos seus leitores do primeiro século que o tempo para o começo do cumprimento das profecias do livro de Apocalipse estava próximo com referência a eles. Portanto, quando lendo o livro de Apocalipse, devemos perguntar: o que isso significou para aqueles a quem esse livro foi originalmente endereçado no primeiro século? Somente então estaremos na posição de perguntar: como esse livro se aplica a nós hoje?”

O princípio gramático-histórico de interpretação da Bíblia pretendia substituir o princípio alegórico de interpretação que era popular antes da Reforma Protestante, e que ainda fica no caminho de alguns cristãos que interpretam a Bíblia. Ele é agora chamado “maximalismo interpretativo”, e sustenta que tudo na Bíblia é simbólico. Ele é caracterizado por arbitrariedade, e freqüentemente nos diz mais sobre a imaginação do intérprete do que sobre a Bíblia. Permite a ausência de controle; e, com efeito, permite qualquer pessoa ver qualquer significado em qualquer texto que ele ou ela queira ver. Tende também à tirania dos experts, pois requer um grupo seleto de eruditos, a quem é dada a chave para os significados mais profundos da Bíblia. Quarto, o sentido verdadeiro e pleno de qualquer texto da Bíblia é um (Confissão de Fé de Westminster, 1.9). Embora um texto na Bíblia tenha uma variedade de conexões no sistema de doutrina da Bíblia, e embora tenha uma variedade de aplicações e freqüentemente um significado complexo, todavia cada texto tem um sentido pretendido pelo autor humano original e o Autor divino, que pode ser encontrado no estudo das palavras e da gramática do texto em seu contexto.

Vários exemplos são úteis aqui. Primeiro, em 1 Coríntios 14:21, onde Paulo está explicando o propósito de falar em línguas, ele cita Isaías 28:11s, que é uma alusão a Deuteronômio 28:49. Isaías 28 profetiza o cumprimento de Deuteronômio 20 na Judá dos seus dias. Ela seria invadida por exércitos estrangeiros, cujo idioma eles não entenderiam, o que seria o julgamento de Deus sobre a incredulidade e apostasia deles. Quando Paulo traz Isaías 28:11s para o assunto de 1 Coríntios 14:21, ele está dizendo (profeticamente, sem dúvida) que o propósito do falar em línguas no primeiro século era um sinal de juízo divino sobre o Judaísmo incrédulo, que levou à destruição de Jerusalém pelos romanos em 70 d.C. Segundo, Atos 5:32 diz: “E nós somos testemunhas acerca destas palavras, nós e também o Espírito Santo, que Deus dá àqueles que lhe obedecem.” Nessa sentença, “dá” está no tempo presente (particípio presente ativo). O ponto não é que Deus dá o Espírito Santo a todos aqueles que o obedecem; antes, é que aqueles que obedecem a Deus fazem isso porque Deus lhes deu o Espírito Santo, sem quem eles não poderiam obedecer a Deus.

Por que dizemos que cada texto tem apenas uma interpretação verdadeira – aquela do autor humano e Divino? Primeiro, Deus é verdadeiro. Ele não se revela ambiguamente, nem nos deu uma revelação que pretende enganar. Segundo, Deus revela a Si mesmo, Sua vontade, e Seu caminho de salvação para glorificar a si mesmo e redimir pecadores. Com esse fim em vista, é inconcebível que Ele nos dará uma revelação incerta. Terceiro, porque a revelação é uma comunicação da mente de Deus aos seres humanos, e visto que fomos criados à imagem de Deus, toda revelação deve ser racional para ser entendida. Um Deus racional negaria a si mesmo ao revelar-se às Suas criaturas de uma maneira irracional. Quarto, o caráter da linguagem demanda essa conclusão. A comunicação entre pessoas seria impossível, se uma palavra tivesse mais de um significado no mesmo contexto.

Quinto, o Deus que se revela na Bíblia é o Deus do Pacto, que enviou Seu Filho para ser o Mediador desse Pacto, a fim de estabelecer um laço íntimo e eterno de amizade entre ele mesmo e o Seu povo. Portanto, a revelação bíblica, isto é, os dois testamentos, tem um tema e estrutura unificador que permeia cada livro da Bíblia. É somente à luz desse tema e estrutura unificadora que qualquer passagem da Bíblia pode ser corretamente entendida.
A Bíblia, em outras palavras, é unificada por um pacto de graça manifesto em vários pactos históricos, cada um construindo sobre o pacto anterior, até que todos sejam cumpridos no Novo Pacto em Cristo. Nenhuma dicotomia existe entre o Antigo Testamento e o Novo Testamento. Antes, esses dois “testamentos” são duas administrações de um e o mesmo pacto de Deus, embora o arranjo do Novo Testamento seja superior àquele do Antigo (2Co. 3).

Essa verdade da centralidade do pacto de Deus na revelação bíblica também significa que Jesus Cristo, o Mediador do Novo Pacto, é o foco de toda verdade divinamente revelada (Lc. 24:27, 44-46). As várias partes da verdade bíblica devem ser vistas como se ajustando ou procedendo de Sua pessoa e obra. Ele é o administrador de todas as promessas pactuais de Deus (2Co. 1:20). Como O. Palmer Robertson apontou: Porque Jesus, como o Filho de Deus e Mediador do Pacto, não pode ser dividido, os pactos não podem ser divididos. Ele mesmo garante a unidade dos pactos, pois Ele mesmo é o cerne
de cada uma das várias administrações pactuais.6 Sexto, visto que a Bíblia é a revelação do Senhor Deus Todo-Poderoso, o pré-requisito para entendê-la é uma humilde disposição para ser ensinado (Tg. 1:9-22). Nosso desejo e esforço para entender a Bíblia deve ser acompanhado com uma disposição em ser governado por seja o que for que esteja escrito nela – “O temor do SENHOR é o princípio do conhecimento” (Pv. 1:7). À medida que estude a Bíblia, ore para que Deus mude seu coração para tornar-te ensinável, pois sem essa atitude a Bíblia é um livro fechado.

Extraído do Site www.monergismo.com
Tradução: Felipe Sabino de Araújo Neto

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Irmãos em Cristo Jesus.

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Mt 5:14 "Vós sois a luz do mundo"

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