sexta-feira, 28 de novembro de 2008

A Lei- C.H Mackintosh

A Lei e a Graça

É da maior importância compreender o verdadeiro caráter e o objeto da lei moral, como nos é apresentada neste capítulo. Existe uma tendência no homem para confundir os princípios da lei com graça, de sorte que nem a lei nem a graça podem ser perfeitamente compreendidas. Alei é despojada da sua austera e inflexível majes­tade, e a graça é privada de todos os seus atrativos divinos. As santas exigências de Deus ficam sem resposta, e as profundas e múltiplas necessidades do pecador permanecem insolúveis pelo sistema anómalo criado por aqueles que tentam confundir a lei com a graça. Com efeito, nunca podem confundir-se, visto que são tão distintas quanto o podem ser duas coisas. Alei mostra-nos o que o homem deveria ser; enquanto que a graça demonstra o que Deus é. Como poderão, pois, ser unidas num mesmo sistema1?- Como poderia o pecador ser salvo por meio de um sistema formado em parte pela lei e em parte pela graça1? Impossível: ele tem de ser sal vo por uma ou por outra.
A lei tem sido às vezes chamada "a expressão do pensamento de Deus". Mas esta definição é inteiramente inexata.. Se a considerás­semos como a expressão daquilo que o homem deveria ser, estaríamos mais perto da verdade. Se eu considerar os dez mandamentos como a expressão do pensamento de Deus, então, pergunto, não há nada mais no pensamento de Deus senão "farás" isto e "não farás" aquilo? Não há graça, nem misericórdia nem bondade? Deus não manifes­tará aquilo que é, nem revelará os segredos profundos desse amor que enche o Seu coração? Não existe nada mais no coração de Deus senão exigências e proibições severas"? Se fosse assim, teríamos de dizer que "Deus é lei"emvezde dizermos que" Deus é amor". Porém, bendito seja o Seu nome, existe muito mais em Seu coração do que jamais poderão expressar os "dez mandamentos" pronunciados no monte fumegante. Se quero saber o que Deus é, devo olhar para Cristo; "porque nele habita corporalmente toda a plenitude da divindade" (Cl 2:9). "PorquealeifoidadaporMoisés;agraçaeaverdadevieram por Jesus Cristo" (Jo 1:17). Certamente, na lei achava-se uma certa medida de verdade; continha a verdade quanto àquilo que o homem deveria ser. Como tudo que emana de Deus, a lei era perfeita — perfeita para alcançar o fim a que era destinada; porém esse fim não era, de modo nenhum, revelar, perante pecadores culpados, a natu­reza e o caráter de Deus. Não havia graça nem misericórdia. "Que­brantando alguém a lei de Moisés, morre sem misericórdia" (Hb 10.28). "Ohomem que fizer estascoisas viverá por elas" (Lv 18:5; Rm 10:5). "Maldito todo aquele que não permanecer em todas as coisas que estão escritas no livro da lei, para fazê-las" (Dt 27:26; Gl 3:10). Nada disto era graça. Com efeito, o monte Sinai não era o lugar para se procurar tal coisa. Jeová revelou-Se ali em majestade terrível, no meio da obscuridade, trevas, tempestade, trovões e relâmpagos. Estas circunstâncias não são aquelas que acompanham uma dispensação de graça e misericórdia; mas eram próprias de uma dispensação de verdade e justiça: e a lei não era mais que isso.
Na lei Deus declara o que o homem deveria ser, e pronuncia a maldição sobre ele se o não for. Ora quando o homem se examine à luz da lei descobre que é precisamente aquilo que a lei condena. Como poderá ele, portanto, obter a vida por meio da lerv A lei propõe a vida e a justiça como os fins a alcançar, guardando-a; mas mostra-nos, desde o primeiro momento, que nos encontramos num estado de morte e iniquidade. Precisamos desde o primeiro momento das mesmíssimas coisas que a lei propõe alcançar-nos no fim. Como vamos nós, portanto, obtê-las? Para cumprir aquilo que a lei requer é preciso que eu tenha vida; e para ser o que a lei exige devo possuir a justiça; e se eu não tiver vida e justiça sou "maldito". Porém, o fato é que eu não tenho uma nem a outra. Que devo então f azer4- Eis a questão. Que respondam aqueles que querem ser "doutores da lei" (1 Tm 1.7): que dêem uma resposta própria para uma consciência reta, curvada sob o sentido duplo da espiritualidade e inflexibilidade da lei e a sua carnalidade desesperada.

O Propósito da Lei

A verdade é que, como nos ensina o apóstolo, a lei veio para que a ofensa abundasse (Rm5:20). Isto mostra-nos claramente o verda­deiro objetivo da lei: veio a propósito para que o pecado se fizesse excessivamente maligno (Rm 7:13). Era, em certo sentido, como um espelho perfeito enviado para revelar ao homem o seu desarranjo moral. Se eu me puser diante de um espelho com o meu vestuário desarranjado, o espelho mostra-me o desarranjo, mas não o põe em ordem. Se eu fizer descer sobre um muro tortuoso um prumo, o prumo mostra a tortuosidade, mas não a altera. Se eu sair numa noite escura com uma luz, esta revela-me todos os obstáculos e dificulda­des que se acham no caminho, mas não os remove. Além disso, o espelho, o prumo, e a luz não criam os males que revelam distintamente: nem os criam nem os afastam, apenas os revelam. O mesmo acontece com a lei: não cria o mal no coração dohomem nem tampouco o tira; mas revela-o com infalível exatidão.
"Que diremos pois4 É a lei pecado1?- De modo nenhum; mas eu não conheci o pecado senão pela lei; porque eu não conheceria a concupiscência se a lei não dissesse: Não cobiçarás" (Rm 7:7). O apóstolo não diz que não teria tido "concupiscência". Não, mas apenas que não a teria conhecido. A "concupiscência" existia; mas ele estava às escuras quanto ao fato, até que a lei, como a luz do Deus Onipotente, brilhou nos recessos tenebrosos do seu coração e revelou o mal que nele havia Assim como um homem numa câmara escura pode estar rodeado de poeira e confusão sem contudo poder ver nada por causa da escuridão. Mas deixai que os raios de sol penetrem ali e ele distinguirá imediatamente tudo. São os raios de sol que formam o pó? Certamente que não. O pó encontra-se ali, e os raios de sol apenas o detectam e revelam. Isto é apenas uma simples ilustração dos efeitos da lei: julga o caráter e a condição do homem. Julga o pecador e encerra-o debaixo da maldição: vem para julgar o que ele é e amaldiçoa-o se ele não é o que ela lhe diz que deve ser.


A Lei Condena o Pecador

É, portanto, claramente impossível que alguém possa obter a vida e a justificação por meio daquilo que só pode amaldiçoá-lo; e a menos que a condição do pecador e o caráter da lei sejam inteira­mente alterados, a lei não pode fazer mais que amaldiçoá-lo. A lei não é indulgente com as fraquezas, e não reconhece a obediência sincera, embora imperfeita. Se fosse este o caso, não seria aquilo que é, "santa, justa e boa" (Rm7:12). É justo que o pecador não possa obter vida pela lei porque a lei é aquilo que é. Se o pecador pudesse obter vida pela lei, a lei não seria perfeita, ou então ele não seria pecador. É impossível que o pecador possa obter vida por meio de uma lei perfeita, porque, embora seja perfeita, tem de condená-lo: a sua perfeição absoluta manifesta e sela a ruína e condenação do homem. "Porisso, nenhuma carne será justificada diante dele pelas obras da lei, porque pela lei vem o conhecimento do pecado" (Rm 3:20). O apóstolo não diz que o pecado é pela lei, mas somente que por ela vem o conhecimento do pecado. "Porque até à lei estava o pecado no mundo, mas o pecado não é imputado não havendo lei" (Rm 5:13). O pecado existia, e precisava apenas da lei para o manifestar na forma de "transgressão". É como se eu dissesse a meu filho: "não deves tocar nessa faca". A minha proibição revela a tendência do seu coração para fazer a sua própria vontade.
O apóstolo João diz que o "o pecado é iniquidade" (1 Jo 3:4). A palavra "transgressão" não traduz o verdadeiro pensamento do Espírito Santo nesta passagem (1). Para que haja transgressão é necessário que seja estabelecida uma regra ou linha de conduta definida; porque transgressão quer dizer cruzar uma linha proibi­da; essa linha têmo-la na lei. Tomemos por exemplo algumas das suas proibições: "Não matarás", "Não cometerás adultério", "Não furtarás". Aqui tenho, pois, uma regra ou linha posta diante de mim; porém descubro que tenho em mim mesmo os próprios princípios contra os quais estas proibições são expressamente dirigidas. Ainda mais, o próprio fato de me ser proibido matar mostra que o homicídio está em minha natureza. Não havia necessidade de me ser proibido fazer uma coisa que eu não tinha inclinação para fazer; porém, a revelação da vontade de Deus, quanto ao que eu deveria ser, mostra a tendência da minha vontade para ser aquilo que não devo. Isto é bem claro, e está perfeitamente de acordo com todoo ensino apostólico sobre este assunto.

Não somos Justificados pela Lei

Muitos, contudo, admitem que não podemos obter vida pela lei, mas sustentam, ao mesmo tempo, que a lei é a nossa regra de vida. Ora, o apóstolo declara que "Todos aqueles... que são das obras da lei, estão debaixo da maldição" (Gl 3:10). Pouco importa a sua condição individual, se estão sobre o terreno da lei, acham-se, necessariamente, sob a maldição. Pode ser que alguém diga: "Eu estou regenerado, e, portanto, não estou exposto à maldição." Porém, se a regeneração não retira o homem do terreno da lei, não pode pô-lo para lá dos limites da maldição da lei. Se o cristão estiver debaixo da lei, está exposto, necessariamente, à maldição da lei. Mas, que tem que ver a lei com a regeneração1?- Onde é que vemos que se trate da regeneração no capítulo 20 de Êxodos A lei tem apenas uma pergunta a fazer ao homem—uma pergunta curta, solene e direta —, a saber: "És tu o que deverias seri" Se a resposta é negativa, a lei não pode senão lançar os seus terríveis anátemas sobre o homem e matá-lo. E quem reconhecerá mais prontamente e mais profundamente que, em si mesmo, não é aquilo que deveria ser senão o homem verdadeiramente regenerado?- Portanto, se está debaixo da lei, está, inevitavelmente, debaixo da maldição. Não é possível que a lei diminua as suas exigências ou se misture com a graça. Os homens procuram sempre baixar o seu padrão; sentem que não podem elevar-se à medida da lei, e, então, procurar rebaixá-la até si; porém este esforço é vão: a lei permanece em toda a sua pureza, majestade e inflexibilidade austera, e não aceitará nada menos que uma obediência perfeita; qual é o homem, regenerado ou não, que pode intentar obedecer assim?- Dir-se-á: "Nós temos a perfeição em Cristo". Sem dúvida, mas não é pela lei, mas, sim, pela graça; e não podemos, de nenhum modo, confundir as duas dispensações. As Escrituras ensinam-nos claramente que não somos j ustif içados pela lei; nem a lei é a nossa regra de vida. Aquilo que só pode amaldiçoar nunca poderá justificar, e aquilo que só pode matar nunca poderá ser uma regra de fé. Seria como se um homem tentasse fazer fortuna valendo-se de uma ação de falência movida contra si.

Um Jugo Impossível de Levar

O capítulo 15 do livro de Atos mostra-nos como o Espírito Santo respondeu à tentativa que se pretendera fazer para pôr os crentes sob a lei, como regra de vida. "Alguns, porém, da seita dos fariseus, que tinham crido, se levantaram, dizendo que era mister circuncidá-los e mandar-lhes que guardassem a lei de Moisés" (versículo 5). Isto não era mais do que o silvo da antiga serpente fazendo-se ouvir nas sugestões sinistras e desanimadoras desses primitivos legalistas. Mas vejamos como o assunto foi resolvido pela poderosa energia do Espírito Santo e a voz unânime dos doze apóstolos e de toda a Igreja. "E, havendo grande contenda, levan-tou-se Pedro e disse-lhes: Varões irmãos, bem sabeis que já há muito tempo Deus me elegeu, dentre vós, para que os gentios ouvissem da minha boca a palavra do evangelho e cressem". — O quê? As exigências e as maldições da lei de Moisés? Não; bendito seja Deus, esta não era a mensagem que Deus queria fazer chegar aos ouvidos de pecadores perdidos. Ouvissem, então, o quê"? "OUVISSEM DA MINHA BOCA A PALAVRA DO EVANGE­LHO E CRESSEM". Aqui estava a mensagem que correspondia ao caráter e natureza de Deus. Ele nunca teria perturbado os homens com uma linguagem triste de exigências e proibições. Esses fariseus não eram Seus mensageiros — muito pelo contrário. Não eram portadores de boas novas, nem anunciadores da paz, e portanto os seus pés eram tudo menos "formosos" aos olhos d'Aquele que Se deleita em misericórdia.
"Agora, pois", continua o apóstolo, "porque tentais a Deus, pondo sobre a cerviz dos discípulos um jugo que nem nossos pais nem nós pudemos suportara" Esta linguagem era grave e forte. Deus não queria pôr "um jugo sobre a cerviz" daqueles cujos corações haviam sido libertados pelo evangelho da paz. Antes pelo contrário, desejava exortá-los a permanecerem na liberdade de Cristo e a não se meterem "outra vez debaixo do jugo da servidão" (Gl. 5:1). Não enviaria aqueles a quem havia recebido em Seu seio de amor "ao monte palpável" para os aterrorizar com a "escuridão", "trevas", e "tempestade" (Hb 12:18). Isso seria impossível. "Mas cremos", diz Pedro, "que seremos salvos PELA GRAÇA DO SE­NHOR JESUS CRISTO, como eles também" (At 15:11). Tanto os judeus, que tinham recebido a lei como os gentios, que nunca a receberam, deviam agora ser "salvos" pela "graça". E não somente deviam ser "salvos pela graça", mas estar "firmes" na graça (Rm 5:2) e crescer na graça (2Pe 3:18). Ensinar outra coisa era tentar a Deus. Esses fariseus subvertiam os próprios fundamentos da fé cristã; e o mesmo fazem todos aqueles que procuram pôr os crentes debaixo da lei. Não existe mal ou erro mais abominável aos olhos de Deus do que o legalismo. Escutai a linguagem enérgica — os acentos de justa indignação—de que se serve o Espírito Santo, a respeito desses doutores da lei: "Eu quereria que fossem cortados aqueles que vos andam inquietando" (Gl 5:12).
Mas, deixai-me perguntar, os pensamentos do Espírito Santo mudaram a este respeitou Já deixou de ser tentar a Deus pôr um jugo sobre a cerviz do pecadora E segundo a Sua vontade graciosa que a lei seja lida aos ouvidos dos pecadores? Responda o leitor a estas interrogações à luz do capítulo 15 de Atos e da Epístola aos Gálatas. Estas Escrituras, ainda mesmo que não houvesse outras, são sufici­entes para provar que a intenção de Deus nunca foi que os Gentios "ouvissem a palavra" da lei. Se fosse essa a Sua intenção, o Senhor teria, certamente, escolhido alguém para a proclamar aos seus ouvidos. Mas não; quando proclamou a Sua "lei terrível", Ele falou numa só língua; porém quando proclamou as boas novas de salva­ção, pelo sangue do Cordeiro, falou na língua "de todas as nações que estão debaixo do céu". Falou de tal moâoque cada um, na sua própria língua em que havia nascido, pudesse ouvir a doce história da graça (At 2:1 -11).

A Mensagem da Graça

Além disso, quando Deus deu, no monte Sinai, as exigências severas do concerto das obras, dirigiu-Se exclusivamente a um povo. A sua voz foi ouvida unicamente dentro dos estreitos limites da nação judaica; porém, quando, nas planícies de Belém, "o anjo do Senhor" proclamou "novas de grande alegria", acrescentou estas palavras características, "que serápara todo o povo" (Lc 2:10). Quando o Cristo ressuscitado enviou os Seus arautos de salvação, a Sua mensagem era redigida assim: "Ide por todo o mundo, pregai o evangelho a toda a criatura" (Mc 16:15). A onda poderosa da graça, que tinha a sua origem no seio de Deus e o seu leito no sangue do Cordeiro, estava destinada a elevar-se, na energia irresistível do Espírito Santo, muito acima dos estreitos limites de Israel e rolar através do comprimento e largura de um mundo manchado de pecado. "Toda a criatura" devia ouvir "na sua própria língua" a mensagem da paz, a palavra do evangelho, o relato da salvação pelo sangue da cruz.
Finalmente, para que nada pudesse faltar para dar a prova aos nossos corações legalistas que o monte Sinai não era, de modo nenhum, o lugar onde os segredos profundos do coração de Deus foram revelados, o Espírito Santo disse, tanto por boca de um profeta como de um apóstolo: "Quão formosos os pés dos que anunciam a paz, dos que anunciam coisas boas!" (Is 52:7; Rm 10:15). Porém, daqueles que queriam ser doutores da mesma lei o Espírito Santo disse: "Eu quereria que fossem cortados aqueles que vos andam inquietando" (GI5:12).

A Lei e o Evangelho

Desta forma, é evidente que a lei não é nem o fundamento de vida para o pecador nem a regra de vida para o cristão. Cristo é tanto uma coisa como a outra. Ele é a nossa vida e a nossa regra de vida. Alei só pode amaldiçoar e matar. Cristo é a nossa vida e justiça. Ele fez-Se maldição por nós sendo pregado no madeiro. O Senhor desceu ao lugar onde estava o pecador—ao lugar da morte e do juízo —, e, havendo, pela Sua morte, cumprido inteiramente tudo que era ou poderia ser contra nós, tornou-Se, na ressurreição, a origem de vida e o fundamento de justiça para todos os que crêem no Seu nome. Possuindo assima vida e a justiça n'Ele, somos chamados para andar, não apenas como a lei ordena, mas "como ele andou" (1 Jo 2:6). Será desnecessário afirmar que matar, cometer adultério ou roubar, são atos diretamente opostos à moral cristã. Mas se um cristão regulasse a sua vida segundo esses mandamentos ou de acordo com o decálogo produziria esses frutos raros e delicados de que fala a espístola aos Efésios1?- Poderiam os dez mandamentos fazer com que um ladrão não roubasse mais e trabalhasse a fim de poder ter que dar4 Trans­formariam jamais um ladrão num homem laborioso e liberais Não, por certo. A lei diz: "Não furtarás"; mas acaso diz, "dá àquele que está em necessidade" — vai, dá de comer ao teu inimigo, veste-o e abençoa-o —, vai e alegra por teus sentimentos benevolentes e teus atos beneficentes o coração daquele que procura sempre prejudicar-te? De modo nenhum; e, contudo, se eu estivesse sob a lei, como regra, ela só podia amaldiçoar-me e matar-me. Como pode ser isto, sendo o padrão do Novo Testamento muito mais elevado"? Éporque sou fraco e a lei não me dá forças nem me mostra misericór­dia. A lei exige força daquele que não tem nenhuma eantaldiçoa-o se ele não pode mostrá-la. Mas o evangelho dá forças àquele que não tem nenhuma, e abençoa-o na manifestação dessa força. A lei propõe a vida como o fim da obediência; o evangelho dá vida como o próprio e único fundamento de obediência.
Mas, para não fatigar o leitor à força de argumentos, pergunto, se a lei é, realmente, a regra de vida do crente, em que parte do Novo Testamento se apresenta ela assima Evidentemente o apóstolo não tinha tal pensamento quando disse. "Porque, em Cristo Jesus, nem a circuncisão nem a incircuncisão têm virtude alguma, mas sim o ser um nova criatura. E, a todos quantos andarem conforme esta regra, paz e misericórdia sobre eles e sobre o Israel de Deus" (Gl 6:15-16). Qual regra? A lei?- Não, mas sim a "nova criatura".
Em capítulo 20 de Êxodo não encontramos uma só palavra quanto à "nova criação". Pelo contrário, este capítulo é dirigido ao homem tal qual ele é, no seu estado natural da velha criação, e põe-no à prova para saber o que ele pode realmente fazer. Ora se a lei era a regra pela qual os crentes deviam andar, por que pronuncia o apóstolo a sua bênção sobre os que andam segundo uma regra totalmente diferen-tei Por que não diz ele, "a todos quantos andarem conforme a regra dos dez mandamentos"1? Não é evidente, segundo esta passagem, que a Igreja de Deus tem uma regra mais elevada segundo a qual deve andara É, indiscutivelmente. Os dez mandamentos, embora façam parte, como todos os verdadeiros crentes admitem, do cânon de inspiração, nunca poderiam ser a regra de fé para todo aquele que tenha, pela graça infinita, sido introduzido na nova criação—todo aquele que tem recebido nova vida em Cristo.

A Lei é Perfeita

Mas, pode perguntar-se, "a lei não é perfeita? E se é perfeita que mais pode desejar-se?- A lei é divinamente perfeita. Na verdade, a própria perfeição da lei é a razão de amaldiçoar e matar aqueles que não são perfeitos e pretendem subsistir perante ela. "A lei é espiri­tual, mas eu sou carnal" (Rm 7:14). É inteiramente impossível fazer-se uma ideia justada perfeiçãoeespiritualidadedalei. Porém, esta lei perfeita estando em contato com a humanidade caída—esta lei espiritual entrando em contato com a mente carnal—só podia produzir a "ira" e a "inimizade" (Rm 4:15; 8:7). Por quê1?- É porque a lei não é perfeita?- Ao contrário, é porque ela o é e o homem é pecador. Se o homem fosse perfeito cumpriria a lei em toda a sua perfeição espiritual; e até mesmo no caso de crentes verdadeiros, embora tragam ainda consigo uma natureza corrompida, o apósto­lo ensina-nos: "Para que a justiça da lei se cumprisse em nós, que não andamos segundo a carne, mas segundo o espírito" (Rm 8:4): ".. .porque quem ama aos outros cumpriu a lei... O amor não faz mal ao próximo. De sorte que o cumprimento da lei é o amor" (Rm 13:8 e 10). Se eu amar o próximo não furtarei aquilo que lhe pertence; pelo contrário, procurarei fazer-lhe todo o bem que puder. Tudo isto é claro e fácil de compreender por uma alma espiritual; mas não toca na questão da lei, quer seja como fundamento de vida do pecador ou de regra de vida para o crente.

Os dois grandes Mandamentos

Se considerarmos a lei sob as suas duas partes importantes, vemos que ordena ao homem amar a Deus de todo o seu coração, de toda a sua alma e de todas as suas forças, e amarão próximo como a si mesmo. Tal é o resumo da lei. Eis o que a lei exige, e nada menos. Mas qual é o filho caído de Adão que j amais pôde responder a esta dupla exigência da lei4- Qual é o homem que pode dizer que ama Deus desta maneirai "...a inclinação da carne" (quer dizer, a inclinação que temos por natureza) "é inimizade contra Deus" (Rm 8:7). O homem aborrece a Deus e os Seus caminhos. Deus veio na Pessoa de Cristo e manifestou-Se aos homens, não na magnificência esmagadora da Sua majestade, mas com todo o encanto e a doçura de graça perfeita e condescendência. Qual foi o resultado? O homem aborreceu a Deus: "...me aborreceram a mime a meu Pai" (Jo 15:24). Mas dirá alguém, "ohomem devia amar a Deus". Sem dúvida, e merece a morte e a perdição eterna se o não fizer. Mas poderá a lei produzir este amor no coração do homemi Era esse o seu fim? De maneira nenhuma, "porque a lei opera a ira". A lei encontra o homem num estado de inimizade contra Deus; e, sem alterar nada desse estado — porque esse não era o seu objetivo — manda que ele ame a Deus de todo o seu coração, e amaldiçoa-o se o não fizer. Não pertencia ao domínio da lei alterar ou melhorar a natureza do homem; nem tampouco podia dar-lhe o poder de cumprir as suas justas exigências. Dizia: "Faze isto é viverás". Mandava que o homem amasse a Deus. Não revelava aquilo que Deus era para o homem, mesmo na sua culpa e ruína; mas dizia ao homem aquilo que ele deveria ser para Deus.
Era uma obra triste. Não se via em tudo isto o desenrolar dos atrativos poderosos do caráter divino, produzindo no homem verdadeiro arrependimento para com Deus, fundindo o seu cora­ção de gelo e elevando a sua alma em verdadeiro af eto e adoração sincera. Não; era um mandamento inflexível para amar a Deus; e, em vez de produzir amor, opera "a ira"—não porque não devesse ser amado, mas porque o homem era pecador.
Depois, lemos; "Amarás ao teu próximo como a ti mesmo". Como pode "o homem natural" fazer isto? Ama ao seu próximo como a si mesmo?- É este o princípio que se observa nas câmaras de comércio, na bolsa, nos bancos, nos negócios, nas feiras e nos mercados deste mundo"?- Ah, não! O homem não ama o seu próximo como a si mesmo. Sem sombras de dúvida, deveria fazê-lo, e se a sua condição fosse boa, ele o faria. Mas é mau — inteiramente mau—e a menos que nasça de novo da Palavra e do Espírito Santo, não pode ver nem entrar no reino deDeus(Jo3:3-5).Aleinãopode produzir este novo nascimento. Mata "o homem velho", mas não cria, nem pode criar "ohomemnovo".Comefeito, sabemos que o Senhor Jesus reuniu na Sua gloriosa Pessoa tanto Deus como o nosso próximo, visto que era, segundo a verdade fundamental da doutrina cristã, "Deus manifestado em carne" (1 Tm 3:16). Como foi Ele tratado pelo homem'? Amou-0 de todo o seu coração ou como a si mesmo*?- Ao contrário: crucificou-0 entre dois salteadores depois de haver, antecipadamente, preferido um ladrão e malfeitor a este bendito Senhor que andara fazendo bem — que tinha vindo da eterna morada de luz e amor, sendo Ele Próprio a personificação viva dessa luz e desse amor — Cujo coração tinha sempre palpitado com a mais simpatia pela necessidade humana e Cuja mão estivera sempre disposta a enxugar as lágrimas do pecador e a aliviar os seus sofrimentos. Assim, contemplando a cruz de Cristo, vemos nela uma demonstração irrefutável do fato que não está ao alcance da natureza ou capacidade do homem guardar a lei.

A Adoração

Depois de tudo que temos visto, há um interesse particular para o homem espiritual observar a posição relativa de Deus e o pecador no Hm deste memorável capítulo. "Então, disse o Senhor a Moisés: Assim dirás aos filhos de Israel:... Um altar de terra me farás e sobre ele sacrificarás os teus holocaustos, e as tuas ofertas pacíficas e as tuas ovelhas, e as tuas vacas; em todo lugar onde eu fizer celebrar a memória do meu nome, VIREI ATI E TE ABENÇOAREI. E, se me fizeres um altar de pedras, não o farás de pedras lavradas; se sobre ele levantares o teu buril, profaná-lo-ás. Não subirás também por degraus ao meu altar, para que a tua nudez não seja descoberta diante deles" (versículos 22 á 26).
Não vemos nesta passagem o homem na posição de fazer obras, mas na de um adorador: e isto no fim do capítulo 20 do Êxodo. Este fato ensina-nos claramente que o ambiente de Sinai não é aquele que Deus quer que o pecador respire—o monte de Sinai não é o lugar próprio para o encontro de Deus com o homem:".. .em todo o lugar onde eu fizer celebrar a memória do meu nome virei a ti e te abençoarei". Como esse lugar onde Jeová faz celebrar a memória do Seu nome, e onde vem para abençoar o Seu povo em adoração, é diferente dos terrores do monte fumegante!
Mas, além disso, pode encontrar-Se com o pecador num altar sem pedras lavradas ou degraus—um lugar de culto cuja constru­ção não necessita da arte do homem ou esforço humano para dele se aproximar. As pedras lavradas por mão do homem só podiam manchar o altar e os degraus só podiam descobrir a "nudez" humana. Que símbolo admirável do lugar onde Deus encontra agora o pecador, a própria Pessoa e obra de Seu Filho, Jesus Cristo, em Quem todas as exigências da lei e da justiça e da consciência são perfeitamente cumpridas! Em todos os tempos e em todos os lugares, o homem tem estado sempre pronto, de um modo ou de outro, a levantar os seus instrumentos na construção do seu altar ou para se aproximar dele pelos degraus de sua própria invenção. Porém, o resultado dessas tentativas tem sido a contaminação e a nudez... "todos nós somos como o imundo, e todas as nossas justiças, como trapo da imundícia; e todos nós caímos como a folha, e as nossas culpas, como um vento, nos arrebatam" (Is 64:6). Quem se atreveria a aproximar-se de Deus com um vestuário de "trapo da imundície?" Ou quem poderá adorá-Lo na sua "nudeza" Que maior absurdo poderia haver do que pensar em chegar à presença de Deus de um modo que necessariamente inclui contaminação ou nudeza E contudo sucede assim sempre que o esforço humano é empregado para abrir o caminho para Deus. Não somente esse esforço é desnecessário como está marcado com a contaminação e a nudez. Deus veio tão perto do pecador, até mesmo à profundidade da sua ruína, que não há necessidade de ele levantar o instrumento da legalidade ou de subir os degraus da justiça própria — fazê-lo é apenas expor a sua imundícia e a sua nudez.
São estes os princípios com que o Espírito Santo termina esta parte notável deste livro inspirado. Que Deus os inscreva em nossos corações de forma a podermos compreender claramente a diferença essencial entre a LEI e a GRAÇA.
Extraído do Livro: Notas sobre o Pentateuco- Êxodo, de C.H Mackintosh ( O Link para o download deste livro encontra-se no Filho Varão )

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