sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Remorsos Inúteis- D. M Lloyd Jones

"E por derradeiro de todos me apareceu também a mim, como a um abortivo. Porque eu sou o menor dos apóstolos, que não sou digno de ser chamado apóstolo, pois que persegui a igreja de Deus. Mas pela graça de Deus sou o que sou; e a sua graça para comigo não foi vã, antes trabalhei muito mais do que todos eles; todavia não eu, mas a graça de Deus, que está comigo". I Coríntios 15:8-10
Nestes dias, homens e mulheres estão prontos a se interessar por qualquer coisa que seja atraente. Estamos vivendo numa era de propaganda, e as pessoas estão prontas a crer em qualquer coisa que lhes seja dita. Elas crêem na propaganda, crêem no que ela lhes apregoa, e portanto, se elas vissem algo nos cristãos que lhes desse a impressão que tais pessoas estão vivendo uma vida de alegria, felicidade e triunfo, elas se ajuntariam em volta deles, ansiosas por descobrir o segredo de uma vida tão bem sucedida. Não é uma conclusão incorreta, portanto, deduzir que a razão de tanta gente estar fora, é a condição daqueles que estão dentro. Tantas vezes damos a impressão que estamos abatidos e deprimi­dos; de fato, alguns quase dão a impressão que tornar-se cristão significa que você vai enfrentar muitos problemas que nunca o preocuparam antes. Então, olhando para a situação superficial­mente, o homem do mundo chega à conclusão de que se pode encontrar mais gente feliz fora da Igreja do que dentro dela. Ele está errado, é claro, mas precisamos reconhecer que alguns de nós, pelo menos, somos bastante culpados disso — que muitas vezes, porque sofremos de depressão espiritual e somos cristãos mais ou Mimos miseráveis, deturpamos o evangelho da graça redentora séria r dolorosamente.
Ora, tudo isso, é claro, se deve ao fato que enfrentamos um adversário muito poderoso. O fato é que no momento em que nos tornamos cristãos, passamos a ser objetos dos mais sutis e pode­rosos ataques daquele que a Bíblia descreve como "o príncipe da potestade do ar", "o espírito que agora opera nos filhos da deso­bediência", "o deus deste mundo", "Satanás", "o diabo". E à medida que continuamos com o nosso estudo e consideramos a maneira como o diabo nos assedia e nos ataca, e a maneira sutil em que ele nos engana e nos desvia do caminho, sem que sequer percebamos isso, começamos a entender por que tantos falham. E, é óbvio, ele nunca é mais sutil e mais perigoso do que quando chega como um "anjo de luz" e como um pretenso amigo da Igreja, alguém que está interessado no evangelho e na sua propa­gação. De acordo com as Escrituras, ele faz isso (II Coríntios, capítulo 11), e é nesse ponto que ele usa de maior sutileza. Ele não é apenas poderoso, mas também é sutil, e à medida que con­tinuamos a considerar essas várias formas e manifestações de de­pressão, isso vai se tornar mais e mais claro.
Em vista disso, precisamos nos preparar para ele e para tais a laques; e a maneira de fazer isso é estudar as Escrituras. É so­mente nelas que encontramos o discernimento necessário para compreender seus métodos. "Não ignoramos os seus ardis", disse o apóstolo Paulo aos coríntios (II Coríntios 2:11), mas a tragédia é que tantos ignoram os seus ardis ou nem crêem na existência dele, e mesmo aqueles que crêem falham em se lembrar que ele está sempre presente, e que pode se manifestar de muitas formas sutís. Ao examinar objetivamente o que ele faz conosco, não podemos deixar de ficar admirados da nossa indescritível insensatez. Ao considerar certos casos de depressão espiritual, você se pergunta: "Como é que alguém pode ter caído numa coisa dessa?" Tudo parece tão perfeitamente claro e patente, no entanto todos estamos constantemente caindo na mesma armadilha. Isso acontece devido à sutileza dos métodos do diabo. Ele nos apresenta coisas de uma forma tão atraente que acabamos caindo antes mesmo de perceber o que está acontecendo. Há somente uma forma de tratar disso: é estudar seus métodos, e estudar o que as Escrituras ensinam com respeito a este problema de depressão espiritual. É isto que estamos tentando fazer através destes estudos.
Vamos agora considerar o caso de outras pessoas que estão incapacitadas no presente como resultado de olhar para o passado, desta vez não para algum pecado em particular, e sim para o fato de que passaram tanto tempo fora do reino de Deus, e demoraram tanto para entrar nele. Esta, novamente, é uma causa muito comum de depressão espiritual. Estas pessoas sentem-se deprimidas pelo fato que perderam tanto tempo, desperdiçaram tantos anos, e tar­daram tanto para se tornarem cristãs. Estão sempre lamentando o fato de terem perdido tantas oportunidades — oportunidades de fazer o bem e ajudar outros, oportunidades de servir. Dizem: "Se eu tão somente tivesse entendido tudo isso quando era jovem, eu teria me apresentado para o ministério, mas vi a luz somente agora, e é tarde demais para isso". Oportunidades perdidas! Ou então o expressam em termos do que poderiam ter realizado até agora. "Se eu tão somente. . ." "Se apenas. . ." — este é o seu clamor. Mas eles não creram; e olhando atrás, para os anos gastos no mundo, não entendendo estas coisas, eles estão cheios de remorsos vãos por causa do que poderiam ter sido, como podiam ter cres­cido na graça, e o ponto em que poderiam estar agora. Eles olham atrás para o seu passado dessa maneira, e o lamentam e deploram; olham para a alegria que poderiam ter tido, os anos de jubilosas experiências que poderiam ter vivido. Mas é tarde demais, as opor­tunidades se foram. Por que foram tão tolos? Como podiam ter sido tão cegos? Por que foram tão lentos? Ouviram o evangelho; leram bons livros; até mesmo sentiram alguma coisa num certo ponto, mas não resultou em nada, e a oportunidade se desvaneceu. Agora, finalmente eles entenderam, e estão obsecados pelo pensa­mento — "Se tão somente. . ."
Esta é uma condição muito comum, e é responsável pelo estado de depressão espiritual em muitas pessoas. Como devemos tratar disso? Que pode ser dito a respeito? Antes de tudo, quero dizer que, se por um lado é perfeitamente normal que tais pessoas la­mentem o fato de que demoraram tanto para crer, por outro lado é errado cair em depressão por causa disso. Você não pode olhar para trás, para o seu passado, sem ver coisas a lamentar. Isto é normal; mas é exatamente aí que a sutileza dessa condição apa­rece e nós cruzamos a linha de separação entre arrependimento legítimo, e uma atitude errada de miséria e abatimento. A vida cristã é uma vida de um equilíbrio muito sensível. É uma de suas características mais notáveis. Já foi comparada a um homem an­dando sobre a lâmina de uma faca, com a possibilidade de cair facilmente para um lado ou outro. Ao longo do caminho precisa­mos depender de distinções muito sutis, e aqui está uma delas, a distinção entre um remorso legítimo, e uma atitude errada de mi­séria e abatimento.
Como, então, podemos evitar nos sentirmos abatidos a esse respeito? Vamos considerar isso em termos do que o apóstolo Paulo disse a respeito de si mesmo. Isso sempre me pareceu uma ilustração perfeita do que o Senhor ensinou na parábola registrada em Mateus 20:1-16, sobre os trabalhadores na vinha, que foram contratados em diferentes horas do dia, alguns apenas na undé­cima hora. Vamos examiná-la à luz do ponto de vista das pessoas que foram contratadas "perto da hora undécima" — que foram as últimas a entrar no reino.
Todavia, antes de entrarmos na questão em termos da Bíblia, vamos considerá-la de uma forma mais geral. Há certos princípios de bom senso e sabedoria comum que precisam ser aplicados a esta condição. Há pessoas que parecem pensar que é errado para um cristão usar o bom senso. Parecem pensar que precisam sempre lazer tudo de uma forma exclusivamente espiritual. Ora, isso me parece ser muito anti-bíblico. O cristão não é, em nenhum aspecto, inferior ao incrédulo; ele é sempre superior. O cristão não só pode fazer tudo que o incrédulo faz, ele pode fazer muito mais. Essa é a forma de olhar para o cristão. Ele é um homem que deve aplicar o bom senso às circunstâncias, e é certo e legítimo que ele faça isso. Se você puder conquistar o diabo nesse nível, conquiste-o nesse nível. Não importa em que nível você derrota o diabo, desde que o derrote. Se você puder derrotá-lo e se livrar dele usando o bom senso e sabedoria comum, faça isso. É perfeitamente cor­reio para o cristão fazer isso. Estou dizendo tudo isso porque muitas vezes vejo pessoas que estão com problemas nesta questão, e passam o tempo todo orando sobre isso, em vez de fazer algo que é perfeitamente óbvio do ponto de vista do bom senso.
Vou explicar o que quero dizer. Sugiro que a primeira coisa que alguém que está nesta condição deve dizer a si mesmo (e o mesmo se aplica a alguém que precisa ajudar outra pessoa nessa situação), é que ser miserável no presente por causa de algum fracasso no passado é uma completa perda de tempo e energia. Isso é óbvio. Isso é bom senso. O passado não pode ser trazido de volta e você não pode fazer nada a respeito. Pode ficar sentado sentindo-se miserável, ou pode ficar rodando em círculos de re­morso o resto da sua vida, mas nada disso fará qualquer diferença quanto ao que você fez. Isso é bom senso, e não exige qualquer revelação cristã especial para ser demonstrado. O mundo, em sua sabedoria, nos diz que "não adianta chorar o leite derramado". Pois jogue isso na cara do diabo! Por que deveria o cristão ser mais tolo do que qualquer outra pessoa? Por que não aplicar bom senso e sabedoria humana a uma situação? Mas é isso que muitas pessoas não fazem. O resultado é que estão desperdiçando seu tempo e energia em remorsos inúteis sobre coisas que não podem ser mudadas ou desfeitas, uma atitude tola e irracional, mesmo do ponto de vista mundano do bom senso. Vamos então estabelecer isto como um princípio. Nunca devemos nos preocupar, por um segundo sequer, a respeito de coisas que não podem ser mudadas ou desfeitas por nós. É um desperdício de energia. Se você não pode fazer nada a respeito de uma situação, pare de pensar sobre ela; nunca mais olhe atrás para ela, nunca mais pense nela. Se o fizer, o diabo estará derrotando você. Remorsos vagos e inúteis devem ser postos de lado, como sendo irracionais. Meu amigo, pare de se remoer por causa deles! Mesmo à parte do cristianismo, é uma atitude muito tola, uma completa perda de tempo e energia. Mas vamos mais adiante, considerando o fato de que remoer o passado simplesmente causa fracasso no presente. Enquanto você fica lamentando o passado e deplorando tudo o que você não fez, está incapacitando a si mesmo, e impedindo a si mesmo de um desempenho eficaz no presente. Isso é cristianismo? É claro que não! Cristianismo é bom senso, e muito mais — porém inclui o bom senso. "Ah", você diz, "mas eu ouço isso do mundo!" Bem, se ouve, então aja de acordo! O próprio Senhor Jesus disse que os filhos deste mundo são mais sábios em sua geração do que os filhos da luz. Ele elogiou o servo injusto, e eu estou simplesmente fazendo a mesma coisa. O mundo, do seu ponto de vista de sabe­doria comum, está perfeitamente certo nesta questão. Sempre é errado hipotecar o presente ao passado, é sempre errado permitir que o passado atue como um freio sobre o presente. Deixe que o passado morto sepulte os seus mortos. Não há nada mais repreensí­vel, a julgar pelos critérios comuns de pensamento, do que permitir que algo que pertence ao passado seja causa de fracasso no pre­sente. E uma preocupação mórbida com o passado faz exatamente isso. As pessoas que estou descrevendo estão fracassando no pre­sente. Em vez de viver no presente e prosseguir na vida cristã, elas ficam lamentando o passado. Sentem-se tão mortificadas pelo passado que nada fazem no presente. E isso é muito errado!
Meu .terceiro argumento, do ponto de vista do bom senso e sabedoria humana, é este: se você realmente crê no que diz a respeito do passado, e se realmente lamenta o fato de ter desper­diçado tanto tempo no passado, então devia compensar isso no presente. Não é uma questão de bom senso? Aqui está um homem que vem a você no mais completo abatimento, dizendo: "Se eu não tivesse desperdiçado tanto tempo!" O que eu lhe digo é isto: "Você está compensando esse tempo perdido? Por que está des­perdiçando suas energias me contando sobre o passado que não pode ser desfeito? Por que não concentra suas energias no pre­sente?" E falo com veemência porque esta condição deve ser tra­tada com severidade, e a última coisa que se deve dar a essa pessoa é simpatia. Se você está sofrendo dessa condição, examine-se a si mesmo sob o ponto de vista de simples bom senso. Você está agindo como um tolo, de forma irracional, está desperdiçando seu tempo e suas energias. Você realmente não crê no que está dizendo. Se lamenta um passado desperdiçado, compense-o no presente, dedique-se inteiramente a viver no presente. Foi o que Paulo fez. Ele diz: "Por último foi visto também por mim, como um fora do tempo". Ele na verdade estava dizendo: "Eu perdi muito tempo, outros se adiantaram a mim". Mas ele pôde conti­nuar e dizer: "Trabalhei muito mais do que todos eles; todavia não eu, mas a graça de Deus, que está comigo".
Aí esta, então,- o argumento — aí está a maneira de tratar disso do ponto de vista do bom senso e da sabedoria humana comum. Isso é suficiente, ou devia ser suficiente, mas mesmo assim vamos prosseguir. O cristão, eu afirmo, nunca é menos do que o incrédulo, ele sempre é mais. Ele devia ter todo o bom senso e a sabedoria do incrédulo, mas ele tem mais uma coisa além disso. E aqui então chegamos à declaração do grande apóstolo, e ao ensinamento do Senhor na parábola dos trabalhadores na vinha, em Mateus, capítulo 20.
Vamos ver o que o apóstolo tem a nos dizer. Já vimos o que ele tinha a dizer sobre o grande pecado da sua vida, e vamos descobrir a mesma coisa em relação a este problema. O apóstolo estava dando um relatório das aparições do Senhor depois da ressurreição. Sua preocupação imediata é a respeito dessa grande doutrina, mas é assim que ele se expressa: "E por derradeiro de todos me apareceu também a mim". O apóstolo sem dúvida lamen­tava o fato de ter ingressado na vida cristã tão tarde. Vamos deixar bem claro o que ele quer dizer com "derradeiro de todos".
Ele quer dizer que foi o último dos apóstolos a ver o Senhor ressurreto. Todos os outros O tinham visto juntos em diversas ocasiões. Paulo não estava com eles nessas ocasiões; era um blas­femo e perseguidor nessa época. Então "derradeiro de todos" significa o último dos apóstolos. Mas não somente foi ele o últimos dos apóstolos, ele foi literalmente a última pessoa a ver o Senhor ressurreto. Ninguém mais viu o Senhor ressurreto com olhos hu­manos desde que o apóstolo Paulo O viu na estrada de Damasco. Ele "foi visto uma vez por mais de quinhentos irmãos". Nós nem sequer sabemos seus nomes, mas Ele Se revelou a eles e às demais testemunhas registradas aqui. Mas a última pessoa a vê-lO foi Saulo de Tarso. O que aconteceu na estrada de Damasco não foi que Paulo teve uma visão — muitos tiveram visões desde então — porém ele literalmente viu o Senhor da glória. E isto é o que ele diz aqui: "E por derradeiro de todos me apareceu também a mim". Isso é o que fez dele um apóstolo, o fato de que ele foi testemunha da ressurreição. Contudo o que está enfatizando é que ele foi o último de todos. E como se não bastasse, ele acrescenta: "E por derradeiro de todos me apareceu também a mim, como a um abortivo". Havia algo anormal, extemporâneo a respeito do seu nascimento espiritual. Ele não era como os outros. Os outros tinham ouvido os ensinamentos do Senhor, haviam estado com Ele o tempo todo, estiveram presentes na crucificação, viram quando foi sepultado, estiveram como Ele por quarenta dias após a ressurreição, e estiveram com Ele na ascensão. Estiveram com Ele desde o começo até o fim. Entretanto, Paulo ao contrário, tivera um nascimento espiritual de certa forma anormal, extemporâneo; ele viera de uma forma estranha, singular, e "por derradeiro de todos". Isso é o que ele diz a respeito de si mesmo. E naturalmente ele só podia pensar nisso com pesar. Ele devia ter estado ali entre eles desde o princípio, tivera a possibilidade, tivera a oportunidade; mas ele havia odiado o evangelho. Ele "tinha imaginado que contra o nome de Jesus nazareno devia ele praticar muitos atos". Tinha considerado Jesus um blasfemador, e tentou exterminar Seus se­guidores bem como a Igreja. Ali estava ele, do lado de fora, e todos os outros estavam dentro. Todavia, "por derradeiro de todos", e desta forma estranha, ele entrou. Como teria sido fácil para ele gastar o resto da sua vida em remorsos inúteis sobre o seu passado! Ele diz aqui: "E por derradeiro de todos me apareceu também a mim, como a um abortivo. Porque eu sou o menor dos apóstolos, que não sou digno de ser chamado apóstolo, pois que persegui a igreja de Deus". Era tudo verdade, e ele o lamentava profunda­mente; mas isso não paralisou Paulo. Ele não passou o resto da sua vida sentado num canto, dizendo: "Eu fui o último a entrar. Por que fiz isso? Como podia tê-lO rejeitado?" É isso que fazem as pessoas que estão sofrendo de depressão espiritual. No entanto Paulo não fez isso. O que o assombrava era a graça maravilhosa que o capacitara a entrar. E assim ele entrou na nova vida com um zelo tremendo, e ainda que "por derradeiro de todos", num certo, sentido ele se tornou o primeiro.
Qual então é o ensino bíblico? Vamos examinar o que o apóstolo ensina, à luz da parábola do capítulo 20 de Mateus, pois ambos os textos dizem a mesma coisa. O que importa acima de tudo, caso você seja um cristão, não é o que foi outrora, mas o que é hoje. Isso parece ridículo? É tão óbvio que a coisa importante não é o que você foi, mas o que é. Sim, é muito óbvio quando colocado desta forma, mas como é difícil ver isso quando o diabo está nos atacando! O apóstolo disse que ele não era digno de ser chamado apóstolo, porque tinha perseguido a Igreja de Deus; mas ele continua dizendo: "Mas pela graça de Deus sou o que sou". Que importa o que eu fui? "Sou o que sou." Coloque nisso a sua ênfase. Não fique pensando o resto da vida sobre o que você foi. A essência da posição cristã é que você deve lembrar o que é. Certamente o passado permanece com todos os seus pecados. Mas diga a si mesmo:
Resgatado, curado, restaurado, perdoado,
Quem mais pode cantar Seus louvores como eu?
"Sou o que sou" — não importa o que tenha sido o meu passado. E o que sou? Perdoado, reconciliado com Deus pelo sangue de Seu Filho derramado na cruz. Sou um filho de Deus. Fui adotado na família de Deus, e sou herdeiro com Cristo, co-herdeiro com Ele. Estou a caminho da glória. É isso que importa — não o que eu era, não o que eu fiz. Então, se o inimigo está atacando você nesta área, faça o que o apóstolo fez. Volte-se para ele e diga: "O que está dizendo é verdade. Eu fui tudo o que você está dizendo. Mas não estou interessado no que eu era, mas no que sou, e eu sou o que sou pela graça de Deus!"
A segunda dedução é esta — e todas elas são simples e óbvias — não é a época da sua entrada no reino que importa, mas o fato de que você entrou no reino. É isso que importa! Como é tolo lamentar o fato de que não entramos mais cedo, e permitir que isso nos roube as coisas que poderíamos estar gozando agora. É como um homem indo a uma grande exposição, e descobrindo que há uma longa fila para entrar. Ele chegou um pouco tarde. Chegou ao local da exposição, mas tem que esperar muito tempo, e é quase o último a entrar. O que pensariam desse homem se, depois de entrar, ele ficasse parado na porta dizendo: "Que pena que não fui o primeiro a entrar, que lástima que não cheguei aqui mais cedo"? Vocês achariam graça, e com razão, mas eu gostaria de ressaltar que provavelmente estariam rindo de si mesmos, por­que é exatamente o que estão fazendo, num sentido espiritual. "Oh, por que tardei tanto!" Meu amigo, comece a apreciar as pinturas, examine as esculturas, admire os tesouros. Que importa a hora da sua entrada? O importante é que você entrou, e a expo­sição está aí, diante de seus olhos. Não é a hora da sua entrada que importa. Volte outra vez para o capítulo 20 de Mateus. Aque­les homens foram os últimos a entrar na vinha, era a hora undé­cima, mas eles entraram. Isso era o importante. Eles tinham sido chamados, tinham sido contratados, e foram levados para dentro. É estar dentro que importa, não quando você entrou, ou como você entrou. Eu podia enfatizar isso por muito tempo. É algo que precisa ser repetido constantemente. Não é a forma ou maneira da conversão que importa, o que importa é o fato de que você é salvo. Mas muitas pessoas ficam se preocupando com a maneira como entraram, a época, a forma, o método. Isso não tem importância; o que importa é que você entrou. E se entrou, regozije-se nisso, e esqueça que já esteve fora.
Entretanto, precisamos ir ainda mais adiante. Gostaria de su­gerir que esta manifestação particular de depressão espiritual é devida ao fato que esta pessoa ainda está, mórbida e pecaminosa­mente, preocupada consigo mesma. Eu disse há pouco que preci­samos ser severos com esta condição. E é necessário esclarecer que o problema real com estas pessoas ainda é o "eu". O que estão fazendo? Ainda estão julgando a si mesmas, em vez de deixar o julgamento com Deus. Elas se flagelam, e se criticam porque tardaram tanto e foram tão relutantes, e estão constantemente se condenando a si me; nas. Parecem muito humildes e contritas, mas é uma humildade falsa, é preocupação consigo mesmas. Escutem Paulo falar sobre isso no capítulo quatro de sua primeira epístola aos Coríntios: "Que os homens nos considerem como ministros de Cristo, e despenseiros dos mistérios de Deus. Além disso, requer-se nos despenseiros que cada um se ache fiel. Todavia, a mim mui pouco se me dá de ser julgado por vós, ou por algum juízo hu­mano; nem eu (e esta é uma das maiores declarações que Paulo fez!) nem eu tão pouco a mim mesmo me julgo. Porque em nada me sinto culpado; mas nem por isso me considero justificado; pois quem me julga é o Senhor" (versículos 1-4). Como cristãos, devemos deixar nosso julgamento com Deus. Ele é o Juiz, e vocês não têm o direito de desperdiçar o tempo dEle ou o seu, e suas energias, condenando-se a si mesmos. Esqueçam de si mesmos, deixem o julgamento com Ele; prossigam em seu trabalho. Este problema todo é devido a essa preocupação mórbida com o "eu" na questão do julgamento. Não só isso, é também uma indicação da tendência de ainda pensar em termos do que nós podemos fazer. Esse tipo de pessoa vem a nós com uma aparente humildade, di­zendo: "Se eu tivesse vindo antes, quanto trabalho poderia ter feito!" De certa forma isso é verdade, mas por outro lado é errado, e completamente falso. A parábola do Senhor Jesus sobre os tra­balhadores na vinha teve o propósito de demolir esse argumento.
Quero colocar isso de forma positiva, para terminar. Eu afir­mei que parte do problema dessas pessoas é que elas ainda estão morbidamente preocupadas consigo mesmas, e até agora não apren­deram, como cristãs, que devem negar a si mesmas, tomar a cruz e seguí-lo, e deixar tudo — passado, presente e futuro — em Suas mãos. Ah, sim, mas por que estão morbidamente preocupadas consigo mesmas? A resposta é que não estão ocupadas o suficiente com Ele! O problema real é nossa falha em conhecê-lo e os Seus caminhos como devíamos. Se tão somente gastássemos mais tempo olhando para Ele, logo nos esqueceríamos de nós mesmos. Eu disse há pouco que, depois de entrar na exposição, você não deveria ficar parado na porta lamentando o fato de ter chegado tarde — deveria passar a examinar os tesouros. Quero transferir isso para a esfera espiritual. Você entrou na vida espiritual. Pois bem, pare de olhar para si mesmo e comece a se deleitar nEle! Qual é a diferença entre um cristão e um não-cristão? Paulo, na segunda epístola aos Coríntios, capítulo 3, diz que a diferença é esta: que um não-cristão é alguém que olha para Cristo e para Deus com um véu sobre seus olhos, e portanto não pode ver. O que é um cristão? Esta é sua descrição (versículo 18): "Mas todos nós" — cada um de nós, como cristãos — "todos nós, com cara descoberta (o véu se foi), refletindo como um espelho a glória do Senhor, somos transformados de glória em glória na mesma imagem, como pelo Espírito do Senhor". Isso é um cristão. Ele passa o tempo olhando para Cristo, contemplando-O. Esta ião" arrebatado pela visão do Senhor que se esqueceu de si mesmo. Se você estivesse mais interessado em Cristo, não teria tanto interesse em si mesmo. Comece a olhar para Ele, contemple-o com seu rosto descoberto, sem véu. E então prossiga, aprendendo que no Seu reino o que importa não é a extensão do seu serviço, mas sua atitude para com Ele, seu desejo de agradá-lo. Volte outra vez para a parábola. Ele não encara o serviço como outras pessoas o fazem. Ele está interessado no coração. Nós estamos interessados em tempo, todos olhamos para o relógio e avaliamos o tempo gasto e o trabalho que realizamos. Como os primeiros homens na parábola, declara­mos ter feito tudo, e nos gabamos do tempo que gastamos no trabalho. E se não estamos entre aqueles que entraram no prin­cípio, então nos preocupamos porque não fizemos isso e aquilo, e porque perdemos tanto tempo. Mas nosso Senhor não está inte­ressado em nosso trabalho desta forma. Ele está interessado na oferta da viúva. Não é a quantia de dinheiro, mas o coração da mulher. E é o mesmo nessa parábola do capítulo 20 de Mateus. Pela mesma razão Ele deu às pessoas que tinham estado na vinha por apenas uma hora o mesmo que Ele deu àqueles que estiveram lá o dia todo. Esse é também o caso que Paulo apresenta aqui. "E por derradeiro de todos me apareceu também a mim". Mas graças a Deus isso não faz a mínima diferença. A Sua graça vai adiante de nós — "pela graça de Deus sou o que sou". Ele não está interessado em tempo, Ele está interessado num relacionamento. Isso me traz ao último princípio. Nada importa no reino senão a graça de Deus. Essa é a mensagem da parábola. Deus tem uma forma diferente de olhar para as coisas. Ele não vê como os ho­mens vêem; Ele não avalia como os homens fazem; tudo é pela graça do começo ao fim. As últimas pessoas receberam exatamente o mesmo que as primeiras; receberam o mesmo salário que as primeiras. Na verdade, Ele enfatiza essa verdade ao dizer: "Muitos primeiros serão os derradeiros, e muitos derradeiros serão os pri­meiros". Precisamos parar de pensar dessa maneira carnal, hu­mana. No reino de Deus e de Cristo, tudo é do ponto de vista da graça, e da graça somente; e isso se sobrepõe a qualquer outro regulamento. É Sua graça que importa — "pela graça de Deus sou o que sou". Então cesse de olhar para o que você não fez e para os anos que perdeu, e compreenda que no Seu reino é a Sua graça somente que conta. Você que entrou por último talvez um dia venha a se achar em primeiro lugar, para seu próprio assom­bro, e como as pessoas na parábola no fim do capítulo 25 de Mateus, você perguntará: "Quando foi que fiz isto, quando foi que fiz aquilo?" Ele sabe, Ele vê, Sua graça é suficiente.
Quero terminar com uma exortação do Velho Testamento. "Pela manhã", portanto, "semeia a tua semente, e à tarde não retires a tua mão, porque tu não sabes qual prosperará: se esta, se aquela, ou se ambas igualmente serão boas". Eu me pergunto se estou falando a alguém que passou quase a vida toda longe de Cristo, em pecado e no mundo, alguém que ingressou no reino numa idade avançada, e que tem sido tentado da maneira que descrevi. Se é este o caso, minha palavra para você é esta: "Ao entardecer, ao entardecer da sua vida, não retenha a sua mão neste maravilhoso reino da graça. Ele é sobrenatural. Você talvez venha a descobrir no dia do julgamento que sua recompensa é muito maior do que a daqueles que foram salvos na juventude". Que evangelho glorioso, juventude é a grande palavra hoje em dia — juventude. A questão da idade é irrelevante no reino de Deus, e não é bíblico enfatizá-la da forma como o fazemos, "Pela manhã semeia a tua semente"; sim, mas com o mesmo vigor eu digo: "e à tarde não retires a tua mão".
E então, lembre-se de algo que é talvez uma das coisas mais confortadoras e maravilhosas que podemos encontrar nas Escri­turas. Isto foi dito ao profeta Joel quando ele recebeu aquela grande visão e discernimento quanto à vinda de Cristo, o Cristo que haveria de vir. Esta foi a palavra que ele recebeu para pro­clamar: "E restituir-vos-ei os anos que foram consumidos pelo gafanhoto" (Joel 2:25). Ele prometeu fazê-lo; e Ele pode fazê-lo. Os anos desperdiçados, os anos estéreis, os anos que o gafanhoto, e a locusta e o pulgão e a aruga e todas essas outras coisas devoraram, até que aparentemente nada restou, deles Ele diz: "Restituir-vos-ei os anos que foram consumidos pelo gafanhoto". Se você pensar nisso em termos do que pode fazer com sua própria força e poder, então o tempo será a essência do contrato. Mas estamos numa esfera em que isso não tem importância. Ele vem, e pode nos dar uma colheita em um ano, que vai compensar pela colheita de dez — "restituir-vos-ei os anos que foram consumidos pelo gafanhoto". Esse é o caráter do nosso Mestre, esse é nosso Salvador, esse é o nosso Deus. Digo, portanto, em vista disso: nunca mais olhe para trás; não desperdice seu tempo no presente; não desperdice suas energias: esqueça o passado e regozije-se no fato de que você é o que é pela graça de Deus, e que na divina alquimia da Sua mara­vilhosa graça você talvez venha a ter a maior surpresa da sua vida e da sua existência, ao descobrir que até mesmo no seu caso acon­teceu que os últimos passaram a ser os primeiros. Louve a Deus pelo fato de que você é o que é, e que está no Seu reino.

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